quarta-feira, 18 de março de 2009

1886, 11 de Junho - O OCCIDENTE

O OCCIDENTE
9º Anno
Vol. IX
Nº 269
Pag. 131, 134
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EXPOSIÇÃO INTERNACIONAL DE PHOTOGRAPHIA NO PORTO
(concluido do Nº.268)

AMADORES ETRANGEIROS

Esta secção é exclusivamente preenchida por amadores inglezes e todos elles se apresentam de um modo distinctissimo.
O facto nada tem de extraordinario desde que se conhece o culto, quasi fanatico, que existe em Inglaterra pela photographia, arte que n'esse paiz tem attingido o maximo de desenvolvimento e que é alli cultivada com verdadeira paixão.
Occupa o primeiro logar entre estes expositores, o celebre amador H. P. Robinson, auctor do tratado Do effeito artistico em photographia. Conselhos aos photographos sobre a arte da composição e do claro-escuro, e que se acha traduzido em francez por mr. Hector Collard, membro da Associação Belga de Photographia.
O auctor demonstra as theorias do seu livro em cinco magnificos quadros de composição, tres interiores e duas paisagens.
Nada mais bello e primoroso.
Uma das photographias, imitando na tonalidade, os quadros da escola hollandeza, representa um rapazinho provocando o appetite de um rafeiro com um bocado de pão que lhe mostra. Em duas outras destaca-se a figura airosa de uma rapariga, em attitudes diversas, inundada pelo jacto de sol que penetra por uma ampla janella.
No primeiro quadro, o tom geral é negro, o que não obsta a que sobresaiham as figuras e os accessorios do aposento. Nos segundos, os effeitos de luz envolvem em uma suave côr branca, o gracioso modelo. Eis os dois contrastes procurados com a maior intelligencia pelo photographo.
Nas tres composições a que nos referimos, a par de uma execução technica irreprehensivel, nota-se a bella disposição das figuras, a harmonia dos detalhes, e sobretudo as gradações de côr, os magnificos effeitos de claro-escuro. Dir-se-iam copias de delicadas pinturas em que não faltam até as partes apenas esboçadas de certos planos.
Nas duas paisagens dão-se as mesmas qualidades artisticas. Em uma d'ellas vê-se um formoso grupo composto de tres raparigas e um velho, e na outra uma mulher caminhando por uma floresta, estando duas outras sentadas sobre um muro. O fundo é formado por um pedaço de rio limitado por uma arvorisação frondosa.
São verdadeiramente adoraveis estas composições, já pela disposição das figuras, já pela naturalidade dos movimentos, já emfim pela impressão de todas ellas. Depois de tudo isto a poetica escolha dos locaes, realçados pelo modo como estão definidos e graduados os planos e os toques de luz nas massas de sombra, tornam os dois quadros de um encanto indefinivel.
O sr. Robinson é em summa, a par de photographo eximio, um artista de grande sentimento.
O sr. Adam Diston, tambem apresenta cinco pequenos quadros de genero, composições photographadas a saes de prata. Representam scenas domesticas, de uma só figura, mas tão intelligentemente concebidas, tão naturalmente dispostas e tão primorosamente trabalhadas, que constituem verdadeiros primores photographicos.
O sr. P. H. Emerson, de Suffolk, expõe dez provas em platinotypia, tres a saes de prata e uma a carvão sanguineo.
Das provas em platinotypia, as mais bellas, são seis marinhas instantaneas, de uma delicadeza e de um primor de execução irreprehensiveis. São egualmente correctas uma paisagem e as scenas campestres, do mesmo processo. As provas a saes de prata representam assumptos domesticos, extremando-se entre ellas as que tem por titulo Confessions.
São formosissimas e de um bom gosto inexcedivel seis paisagens expostas pelo sr. J. P. Gibson, de Hexham, um amador de primeira ordem. Nada mais suave, mais nitido, mais bello de côr, do que esses seis pequenos quadros, em que as quedas de agua, os bocados de ribeiro, as folhagens do arvoredo accentuam em umas gradações de tons surprehendentes. As paisagens do sr. Gibson não tem talvez rival n'este certamen, em merito artistico.
Do mesmo modo distinctas são oito paisagens, exhibidas pelo sr. J. M. Brownrigg, de Guildford, nas quaes ha bellas projecções de agua, sendo além d'isso muito bem escolhidos os pontos photographados.
O sr. George Renwick, apresenta cinco ampliações em platinotypia e duas provas a saes de prata. As primeiras, representando aspectos de inverno, são interessantissimas. Grandes pedaços de paisagem, cobertas de neve, atmospheras ennevoadas sobre as quaes se destaca o emaranhamento do arvoredo, despido de folhas e debruado de geada, riachos com os seus reflexos escuros, emfim uma serie de impressões e perspectivas do effeito mais estranho e encantador. As duas provas a saes de prata representam um velho amolador em posições diversas. Tanto n'estes como nos outros quadros, o trabalho photographico é excellente.
O sr. Clement Williams, de Halijax, exhibe uma preciosa collecção de paisagens e marinhas instantaneas, sendo as primeiras no genero das do sr. Gibson. Todas ellas se apreciam pela sua beleza e correcção. As marinhas são de uma poesia e de um aspecto surprehendentes. Sobretudo um effeito de luar, que tem por titulo Light et eventide, é maravilhoso. Os trabalhos do sr. Williams constituem um dos testemunhos salientes do modo admiravel como em Inglaterra se cultiva a photographia.
Finalmente o sr. Eduardo Alves expõe quatro caixilhos com paisagens e instantaneos dos srs. Morion & Cª., de Londres, productos por igual primorosos e dignos de apreço.

AMADORES NACIONAES

Compete o primeiro lugar n'esta secção aos notaveis amadores o sr. Carlos Relvas e a srª. D. Margarida Relvas, dois verdadeiros artistas, dois nomes consagrados pelos respeitos e pela admiração de nacionaes e estranhos.
Por muito que os bens de fortuna contribuam para que um amador opulento possa reunir todos os elementos de uma producção artistica primorosa, duas coisas ha que a riqueza não póde supprir: são a arte e o bom gosto.
Ponham-se á disposição de um ignorante e de um espirito superficial os mais aperfeiçoados apparelhos photographicos e os melhores productos chimicos, e o trabalho operado não passará de uma vulgaridade sem merito, de uma massa de claro-escuro sem a suavidade das gradações cruamente transmitidas pela luz.
D' este modo, por excellentes que sejam os recursos materiaes dos dois amadores a que nos estamos referindo, uma coisa se destaca nos seus trabalhos, que dá a nota crystalina da sua elevada intuição artistica: é além da factura primorosa, a distincção e a belleza do aspecto.
Assim, desde o simples retrato até á vasta paisagem; desde o pittoresco costume até ás filigranas das arcaduras ogivaes, tudo tem relevo, nitidez e a côr que faz sobresair o detalhe.
Seria decerto fastidiosominudenciar uma por uma todas as provas das numerosas collecções do sr. Carlos Relvas e de sua exmª. filha e portanto limitar-no-hemos a indicar englobadamente alguns d'esses trabalhos.
Do sr. Carlos Relvas notaremos além do preciosissimo album da exposição de arte ornamental, as bellas phototypias de monumentos e reproducções de quadros, as paysagens, nas quaes ha algumas admiraveis do Ribatejo, varios retratos apreciaveis, finalmente tudo o que póde constituir em photographia um elemento de interesse e de prova de execução primorosa, sob todos os pontos de vista artisticos.
Da srª. D. Margarida Relvas, além de varias paisagens, monumentos e costumes, uns deliciosos retratos circulados por flores, o que lhes dá um aspecto tão delicado como distincto, photypias, provas a carvão, etc.
Os dois amadores que tão notavelmente se apresentam, exhibem os seus trabalhos em diversos processos, o que demonstra o quanto se dedicam ao estudo dos progressos da arte, a qual lhes tem merecido as mais elevadas recompensas en certamens estrangeiros e nacionaes.
De Lisboa concorreram os srs. Victor Sassetti, Athur Benarus e Garland e Madame Effle de Pitroff., cada um dos quaes expoz varias paisagens dignas de apreço e que dão testemunho de uma intelligente aptidão.
Do Funchal enviou o sr. Joaquim Augusto de Sousa, uma boa collecção de vistas, representando grande parte d'ellas, quedas de agua; e de Evora, expozeram os srs. Pereira & Peixoto tambem varias vistas de um trabalho regular.
O sr. João S. Romão, de Braga, expõe diversas photographias a saes de prata, instantaneos e reproducções em que se nota pouca perfeição de impressão.
Do Porto apresentam-se os srs. José Mauricio Rebello Valente, Joaquim Basto, Eduardo Alves, Anthero de Araujo, Claro Outeiro, James Searle e André Cassels. Entre os trabalhos que todos elles exhibem ha muitos primorosos e de uma factura nitida. Consistem na maior parte em vistas, paisagens, e alguns retratos. O sr. Cassels, que é um trabalhador incansavel, tem na sua immensa collecção diversas vistas instantaneas, excellentes, e os restantes amadores revelam, por igual, nos seus productos, uma intelligente orientação e proveitosos conhecimentos da arte.
Em photographia collorida ha trabalhos apreciaveis dos srs. Francisco Guillon y Morante, e Frederico Camara Leme e de Miss Searle e Madame Moller Claus, todos d'esta cidade. Quem mais se distingue n'esta secção é o sr. Guillon que apresenta alguns retratos pintados com certa arte, entre elles um da actriz Amelia Vieira, de corpo inteiro e outro da cantora Adéle Borghi, muito bonitos pela naturalidade do colorido, quer das carnes, quer das roupas.
Ha ainda na exposição diversos retratos a crayon, copiados de photographia, muitos d'elles quasi detestaveis.
Para contrabalançar essa pobreza, o Centro Artistico expõe em uma elegante instalação alguns retratos desenhados por Marques de Oliveira, Sousa Pinto, Henrique Pousão, Custodio da Rocha e Torquato Pinheiro, dignos de mencionar-se pela sua belleza e correcção.
Finalmente no certamen expõem-se ainda apparelhos e productos photographicos e outros objectos, bem como livros sobre photographia.
E aqui terminamos a revista que nos propozemos fazer da actual exposição internacional de photographia, a primeira, no seu genero, que se realisa no nosso paiz.

Porto, abril.


Manuel M. Rodrigues

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