1839 16 de Fevereiro | O PANORAMA JORNAL LITTERARIO E INSTRUCTIVO DA Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Uteis Lisboa | REVOLUÇÃO NAS ARTES DO DESENHO O INVENTO, ou descubrimento de que vamos fallar, merece um e outro titulo; a natureza e o engenho do homem podem ahi apostar primasias. A natureza apparece retratando-se a si mesma, copiando as suas obras assim como as da arte, não em paineis presenciaes, inconstantes e fugitivos, como eram e são os rios, os lagos, as pedras e metaes polidos, mas em materia que retem o simulacro do objecto visivel e o fica repetindo com a mais cabal semelhança ainda depois de ausente: isto pelo que toca á natureza. Agora pelo que respeita ao engenho do homem, foi elle quem a forçou a este milagre novo e inesperado. Duas cousas nos dão pena querendo escrever esta noticia; a primeira é que não possamos explica-la e circumstancia-la como cumpria, por falleceremainda as precisas e miudas informações; a segunda, que desse mesmo pouco com que um jornal de Paris, o Seculo, nos vem acenando, não nos consente a indole e extensão da nossa folha apresentar senão o pouquissimo. A camara luminosa ou optica, segundo vulgarmente se diz, é formosa recreação de nossa infancia, e nos permitte viajar sentados n’uma cadeira, no canto da nossa casa, por todos os portos, cidades, ruinas, bosques e desertos do mundo; mas se taes pregrinações não nos custam nem fadigas nem perigos, nem dinheiro e largos annos, tambem a idéa que nos trazem das coisas apartadas é por demais incompleta ou falsa; e todos esses quadros de mão humana são imperfeitos como tudo que d’ella sae. A camara luminosa levava grandes vantagens á camara obscura em um sentido, se em outra lhas cedia; porque, se ahi o artista cercado de trevas via descer, sobre o seu papel alvo e nú, as formas perfeitas, córadas e vivas das coisas externas, e dessas, todas as que lá por fóra senão levavam e fugiam, as prendia com o lapis e pincel, e compunha, ou antes copiava natural e verdadeiro o seu quadro; por outra parte o alcance desta sua magica era sempre mui limitado: e de mais dado que as formas e côres que primitivamente baixavam ao seu papel fossem, nem podessem deixar de ser completas e exactas, como prendê-las era trabalho de mão e instrumentos humanos; ahi vinham tambem forçosamente as differenças, os erros e quando menos os desprimores. Da camara obscura saíam lindas recordações abreviadas do mundo circumstante; mas esses paineis que mais eram formulas representativas do que emanações reaes dos corpos, mais retratos levemente desfigurados do que deflexos proprios, inteiros e absolutos, esses paineis requeriam tempo, paciencia, arte e uso e uma palheta carregada de todas as cores do iris. D’ora ávante porém, sem palheta, nem lapis, sem preceitos artisticos nem dispendio de horas e dias, que digo, sem mover a mão, sem abrir os olhos e até dormitando, poderá o viajante enriquecer a sua pasta com todos os monumentos, edificios e paizagens das longes terras, e o amante mais hospede nas bellas artes, obter por si mesmo o retrato dos seus amores; tão ao natural como o traz debuchado no coração, e mais natural ainda porque não lhe faltarão as miudesas minimas que a vista não alcança e só a lente lhe poderia revelar. Os nossos leitores nos estão já aqui pedindo impacientes a solução de tão incrivel problêma; o que podemos é apontar-lha, isso vamos fazer. Eis-aqui o que o senhor Arago relatou á academia franceza, de cuja é secretario: o senhor Daguerre, famigerado pintor do diorama, andava, largos annos havia. Todo embebido em procurar alguma substancia onde a luz se podesse imprimir, e deixar de si vestigios distinctos, que ainda depois d’ella ausente a denunciassem com todas suas modificações e circumstancias; para este fim andou batendo á porta de varias materias e interrogando todos os corpos e invocando toda a natureza. Em tudo é a diligencia mãe de boa ventura. Encontrou ao cabo uma substancia como a elle sonhára, tão sensivel á acção immediata da luz, que esta lhe deixa os vestigios evidentes do seu contacto, d’esse contacto tão subtil e inapreciavel. Estes vestigios ficam representados por côres que teem em cada ponto uma relação perfeita com os diversos gráus d’intensidade da mesma luz. Não se cuide, comtudo, haver nesta estampa as proprias côres do objecto que ellas representam; não, as diversas côres dos originaes só são denotadas e significadas na copia, com uma extrma exactidão, pela maior ou menor força da luz, isto é, pelo maior ou menor effeito da impressão da luz: vae do original á copia uma differença a este respeito bem comparavel com a que faz uma gravura optima d’um painel a oleo cujo ella fôr perfeitissimo traslado. O vermelho, o azul, o amarello, o verde etc. são significados por combinações por luz e sombra, por meias tintas mais ou menos claras ou escuras, segundo a somma de potencia clarificante que encerra por sua natureza cada uma destas côres. Mas, o que é certo apezar de todo esse desconto, é, que estas são tão extremadas, tem um tal relevo e tamanha verdade como se não pode imaginar sem as ter visto. A delicadeza dos traços, a pureza das fórmas, a exactidão e harmonia dos tons, a perspectiva aeria, o primor das miudezas, isso tudo se representa com a suprema perfeição. A lente, malsim terrivel das malhores obras do desenho, que em todos encontra senões e desares inevitaveis para a arte, gire quanto quizer sobre estas figuras, fite n’ellas quanto tempo lhe agradar, o seu olho inexoravel, desesperar-se-já de não descobrir senão perfeições, depois perfeições, e sempre tudo perfeições. Não já porque nos espantemos: a luz, a propria luz foi a pintora. Do pae da luz creáram divindade ás artes os fabuladores da Grecia; da fabula fez historia o engenho mais creador da nossa edade. Estas gravuras abertas pelo buril dos raios luminosos, estas estampas baixadas, porque assim o digamos, do ceu, mostrou-as o senhor Daguerre aos senhores Arago, Biot, Humboldt e outros, que todos ficaram suspensos e enfeitiçados. O auctor limitado n’um pequenino espaço da ponte, chamada das Artes, trasladou toda a carreira de grandiosidades monumentaes que ufanam e affamam a margem direita do Sena, comprehendendo aquella parte do Louvre que alardea a opulenta galleria das pinturas: e não já linha, não já ponto que não saisse perfeitissimo. Da mesma arte apanhou aquella immensa e gigantesca fabrica de Nossa Senhora de Paris, com toda a sua profusissima cuberta de esculpturas gothicas. Mais fez, que repetiu o prospecto do mesmo edificio, ás oito da manhaã, ao meio dia e ás quatro da tarde, e isto em dois dias diversos, um de chuva, outro de sol; e todas estas vistas, sem exceptuar aquellas mesmas em que a extensão relativa das sombras é identica para quem as observa teem physionomias tão proprias e tão suas, que num relanciar de olhos se adivinha a hora do dia e circumstancias atmosphericas em que se fez cada retrato. E devendo parecer já isto a maxima maravilha, ainda já outra e é a quasi magica ligeireza com que se opera; oito ou dez minutos bastam no clima e ceu ordinariamente espero de Paris para começo e remate de taes quadros; mas com ar mais puro e luz mais estreme, como no Egypto, um minuto bastaria. Todavia, diz o notociador do Seculo, estas admiraveis representações das exterioridades da natureza, certamente por passarem por ellas mãos humanas, carecem do que quer que seja como objectos d’arte. Coisa admiravel! Aquella mesma potencia que as creou parece ausentar-se logo d’ellas: estas obras da luz carecem de luz. Nos proprios pontos mais directamente clareados já uma fallencia de vivesa e de lustre: e na verdade são umas vistas, que a despeito de todas as harmonias de sua impeccavel perfeição, como que parecem sob um ceu denso e boreal que as está esmorecendo e esfriando: parece que ao coarem-se pelo aparelho optico do auctor, todas á uma se revestem do aspecto melancholico do horizonte quando quer anoitecer. Segundo contra. Apesar da summa rapidez da luz, como o seu effeito na substancia do Sr. Daguerre não é instantaneo, qualquer objecto que se mova com velocidade ou lhe não deixa vestigios seus, ou só muito confusos. As folhas das arvores por exemplo, como aquellas que sempre andam balouçando no vento, ficam pelo demais mui perturbadas: mas onde só se pertenderem imagens de natureza sem vida, edificios, monumentos, estatuas ou cousas de semelhante genero, ahi sim, ahi triunfa de todos os outros este novo methodo. Rosto de homem vivo ainda até hoje se não pôde retratar que satisfizesse. Mas o auctor ainda não perdeu a esperança de lá chegar. É inegavel á vista do que levâmos apontado, que este invento, um dos mais admiraveis de nossos tempos, terá largas consequencias em todas as artes do desenho, e contribuirá não só para o progresso do luxo util e aformoseador da sociedade, mas tambem para o maior aproveitamento das viagens, quer sejam scientificas, ou artisticas, ou moraes, quer de simples divertimento e recreação. O auctor, porém, ainda não declarou o seu segredo; e esta immensa revolução, para arrebatar e espalhar-se por todo o mundo, só aguarda uma palavra d’elle, o seu fiat lux. ¤ Este mesmo texto, é publicado no Jornal do Commercio, (Nº. 98 pag 2) do Rio de Janeiro, no dia 1 de Maio de 1839. ( Ao ler o livro de Boris Kossoy HERCULES FLORENCE – 1833: a descoberta isolada da fotografia no Brasil ( 2ª Edição. Livraria DUAS CIDADES LTDA, São Paulo, 1980 ), constatei este facto, pois nas pag 43, 44 e 45, no capítulo intitulado 2. A Descoberta de Daguerre Noticiada no Brasil, vem transcrito o mesmo texto. |
- ACONTECIMENTOS - ANTOLOGIA – CRONOLOGIA – MISCELÂNIA - NOTÍCIAS - ... – SEC. XIX (Desde 1971, que tenho recolhido em diversas publicações e jornais de época, textos e informações diversas, de assuntos referentes à Fotografia, num período que limitei até ano de 1900,constituindo uma cronologia e antologia. Dada a enorme quantidade de informação que recolhi, este blog encontra-se em ainda organização.)
segunda-feira, 30 de agosto de 2010
1839, 16 de Fevereiro - O PANORAMA
domingo, 9 de maio de 2010
PERIÓDICO DOS POBRES
1840 3 de Abril | PERIÓDICO DOS POBRES Nº. 81, pag. 362 | VARIEDADES Rio de Janeiro, 20 de JaneiroO Daguerrotypo Havendo se dignado S.M. o Imperador e Altezas Imperiaes acceitar o offerecimento feito pelo Capitão Lucas, commandante do navio-escola L'Orientale, para ver pôr em uso o apparelho de Daguerre para tirar vistas. o dito commandante e o abade Comte, encarregado do manejo do instrumento, se apresentárão no paço da Boa-Vista; e teve o ultimo a honra de explicar na presença dos augustos espectadores todo o processo. Posto este em pratica, formou-se em 9 minutos a vista da fachada do paço tomada de uma das janelas do torreão, e logo em igual tempo a prespectiva geral que se goza da varanda com todasas mais pequenas miudezas e variações. S.M. e Altezas Imperiaes se mostrarão mui satisfeitos com as experiencias, cujo progresso mereceu-lhes toda a attenção, e cujos productos S.M. o Imperador se dignou acceitar. É com effeito o invento de Daguerre uma maravilha bem digna da solemne recompensa nacional que lhe foi concedida em França, com todas as circumstancias mais lisongeiras para um amante da gloria. Pelo apparelho, cuja posse ja entrou no dominio publico, e que em muito excede as mais vivas esperanças do italiano Porta, primeiro inventor da Camara obscura, fica a luz, completa conquista do homem, inteiramente sujeita a trabalhar á vontade e para uso delle: ministra-lhe uma poderosissima alavanca para o aperfeiçoamento, não só de diversos ramos das artes, mas tambem das sciencias, e proporciona-lhes um conhecimento exacto e authentico de todas as partes do globo em que elle habita. Póde-se prognosticar á collecção de vistas que trouxer a Orientale da sua viagem ao derredor do mundo, que, entre todos os resultados desta expedição patriotica, ella desafiará na Europa um gráo particular de interesse; e considerar se deve como nova recompensa do inventor da machina a brilhante applicação que della faz o abbade Comte na diversas estações da viagem, e em primeiro logar aos magnificos sitios do Imperio do Brazil. Se bem que ja por vezes tenhaos occupado os leitores com a importantissima descobertade Daguerre não julgamos fóra de proposito transcrever aqui o extracto do relatorio feito sobre este objecto por Arago á academia das sciencias de Paris. “Longo tempo havia que era conhecida a acção da luz sobre as cores: quem via desbotar os pannos todos os dias, não podia ignorar a causa deste phenomeno tão usual. Mas a isto se redozião todos os conhecimentos dos sabios nesta materia, quando em 1566 se fez a descoberta de uma mina de prata, a que se deu o nome luna cornea, que em lingoagem moderna é o chlororeto de prata. Este mineral tinha a propriedade de se fazer negro quando se expunha á luz. Algum tempo depois observou-se que a acção dos 7 raios em que a luz se decompõe pelo prisma não era a mesma sobre a luna cornea: o raio vermelho quasi não tinha influencia sobre ella; porém o roxo alterava-lhe a côr de uma maneira muito energica. "Foi por este tempo que João Baptista Porta inventou a Camara obscura; mas nas miniaturas que por meio della se obtinhão, erão tão lindas como fugitivas. "Niepce era um destes homens a quem os obstaculosnão servem senão de incentivo para ir avante. Depois d'um milhão de tentativas inuteis, chegou finalmente a inventar uma preparação por meio da qual as laminas de prata em que se recebião as pinturas da camara obscura, conservavão para sempre aslindas miniaturas. O seu procedimento era mui simples: untava a lamina metalica com umsmegna composto de betume de Judêa dissolvido em oleo de alfazema, e o todo era coberto de verniz. Expondo a lamina ao fogo, desapparecia o oleo, e ficava coberto de uma especie de pó esbranquiçado. As laminas assim preparadas erão as que se collocavão no foco da Camara obscura para receber os desenhis. Quando a lamina se tirava, a imagem era ainda imperceptivel; mas molhando-a depois com uma mistura de oleo de alfazema e de petroleo, e lavando-a finalmente em agoa distillada, ficava o desenho indelevel. "Neste estado se achava a descoberta de Niepce, quando Daguerre, que se occupava do mesmo objecto, se lhe associou. Os resultados que o 1º. lhe communicou, estavão ainda mui longe da perfeição: o smegma empregado era de espessura muito irregular; o branco das laminas não era satisfactorio; os desnhos exigião 3 dias para se fazerem visiveis. A communicação das luzes dos 8 physicos levou finalmente a cousa á perfeição. O processo por qae o governo acaba de conceder a Daguerre uma recompensa nacional é o seguinte: "Expõe-se ao vapor do iodo uma lamina de casquinha (cobre e prata) bem limpa por meio de agua forte. Eis-aqui tudo: a lamina, assim preparada, expõe-se á acção da luz no foco da camara obscura, d'onde se tira passado oito minutos. O olho mais exercitado ainda não póde distinguir cousa alguma; mas expondo a lamina ao vapor do mercurio aquecido até 60 graos, apparecem as miniaturas quasi como por encanto. Cousa singular e inexplicavel! É necessario que a posição da lamina no foco da camara obscura seja inclinada." (Jornal do Commercio) |