domingo, 9 de maio de 2010

PERIÓDICO DOS POBRES

1840

3 de Abril

PERIÓDICO DOS POBRES

Nº. 81, pag. 362

VARIEDADES

Rio de Janeiro, 20 de Janeiro

O Daguerrotypo

Havendo se dignado S.M. o Imperador e Altezas Imperiaes acceitar o offerecimento feito pelo Capitão Lucas, commandante do navio-escola L'Orientale, para ver pôr em uso o apparelho de Daguerre para tirar vistas. o dito commandante e o abade Comte, encarregado do manejo do instrumento, se apresentárão no paço da Boa-Vista; e teve o ultimo a honra de explicar na presença dos augustos espectadores todo o processo. Posto este em pratica, formou-se em 9 minutos a vista da fachada do paço tomada de uma das janelas do  torreão, e logo em igual tempo a prespectiva geral que se goza da varanda com todasas mais pequenas miudezas e variações. S.M. e Altezas Imperiaes se mostrarão mui satisfeitos com as experiencias, cujo progresso mereceu-lhes toda a attenção, e cujos productos S.M. o Imperador se dignou acceitar.

É com effeito o invento de Daguerre uma maravilha bem digna da solemne recompensa nacional que lhe foi concedida em França, com todas as circumstancias mais lisongeiras para um amante da gloria. Pelo apparelho, cuja posse ja entrou no dominio publico, e que em muito excede as mais vivas esperanças do italiano Porta, primeiro inventor da Camara obscura, fica a luz, completa conquista do homem, inteiramente sujeita a trabalhar á vontade e para uso delle: ministra-lhe uma poderosissima alavanca para o aperfeiçoamento, não só de diversos ramos das artes, mas tambem das sciencias, e proporciona-lhes um conhecimento exacto e authentico de todas as partes do globo em que elle habita.

Póde-se prognosticar á collecção de vistas que trouxer a Orientale da sua viagem ao derredor do mundo, que, entre todos os resultados desta expedição patriotica, ella desafiará na Europa um gráo particular de interesse; e considerar se deve como nova recompensa do inventor da machina a brilhante applicação que della faz o abbade Comte na diversas estações da viagem, e em primeiro logar aos magnificos sitios do Imperio do Brazil.

Se bem que ja por vezes tenhaos occupado os leitores com a importantissima descobertade Daguerre não julgamos fóra de proposito transcrever aqui o extracto do relatorio feito sobre este objecto por Arago á academia das sciencias de Paris.

“Longo tempo havia que era conhecida a acção da luz sobre as cores: quem via desbotar os pannos todos os dias, não podia ignorar a causa deste phenomeno tão usual. Mas a isto se redozião todos os conhecimentos dos sabios nesta materia, quando em 1566 se fez a descoberta de uma mina de prata, a que se deu o nome luna cornea, que em lingoagem moderna é o chlororeto de prata. Este mineral tinha a propriedade de se fazer negro quando se expunha á luz. Algum tempo depois observou-se que a acção dos 7 raios em que a luz se decompõe pelo prisma não era a mesma sobre a luna cornea: o raio vermelho quasi não tinha influencia sobre ella; porém o roxo alterava-lhe a côr de uma maneira muito energica.

"Foi por este tempo que João Baptista Porta inventou a Camara obscura; mas nas miniaturas que por meio della se obtinhão, erão tão lindas como fugitivas.

"Niepce era um destes homens a quem os obstaculosnão servem senão de incentivo para ir avante. Depois d'um milhão de tentativas inuteis, chegou finalmente a inventar uma preparação por meio da qual as laminas de prata em que se recebião as pinturas da camara obscura, conservavão para sempre aslindas miniaturas. O seu procedimento era mui simples: untava a lamina metalica com umsmegna composto de betume de Judêa dissolvido em oleo de alfazema, e o todo era coberto de verniz. Expondo a lamina ao fogo, desapparecia o oleo, e ficava coberto de uma especie de pó esbranquiçado. As laminas assim preparadas erão as que se collocavão no foco da Camara obscura para receber os desenhis. Quando a lamina se tirava, a imagem era ainda imperceptivel; mas molhando-a depois com uma mistura de oleo de alfazema e  de petroleo, e lavando-a finalmente em agoa distillada, ficava o desenho indelevel.

"Neste estado se achava a descoberta de Niepce, quando Daguerre, que se occupava do mesmo objecto, se lhe associou. Os resultados que o 1º. lhe communicou, estavão ainda mui longe da perfeição: o smegma empregado era de espessura muito irregular; o branco das laminas não era satisfactorio; os desnhos exigião 3 dias para se fazerem visiveis. A communicação das luzes dos 8 physicos levou finalmente a cousa á perfeição. O processo por qae o governo acaba de conceder a Daguerre uma recompensa nacional é o seguinte:

"Expõe-se ao vapor do iodo uma lamina de casquinha (cobre e prata) bem limpa por meio de agua forte. Eis-aqui tudo: a lamina, assim preparada, expõe-se á acção da luz no foco da camara obscura, d'onde se tira passado oito minutos. O olho mais exercitado ainda não póde distinguir cousa alguma; mas expondo a lamina ao vapor do mercurio aquecido até 60 graos, apparecem as miniaturas quasi como por encanto. Cousa singular e inexplicavel! É necessario que a posição da lamina no foco da camara obscura seja inclinada."

                                                                                      (Jornal do Commercio)

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