1851 7 de Agosto | REVISTA UNIVERSAL LISBONENSE Tomo III ANNO DE 18450-1851 2ª Série 10º ANNO Nº 48 Pag. 573,574, 575 Lisboa Imprensa da gazeta dos tribunaes Rua dos Fanqueiros nº. 32 1845 | INVENTO DO DAGUERREOTYPO 509 ● No dia 12 do passado Julho, artistas em numero consideravel se dirigiam a Petite-Brie, aldêa pouco distante de Paris, para tributar os deradeiros e piores deveres a um homem, cujo nome immortal está annexo a um dos mais admiraveis descobrimentos dos tempos modernos. M. Daguere, que nascêra em Cormeilles no ano de 1788, contando apenas 63 anos de edade succumbiu quasi subitamente. O illustre artista tinha ultimamente adquirido excesiva gordura e parece ter sidi victima de uma apoplexia ou congestão cerebral. Daguere mostrou em edade precoce as mais vantajosas disposições para as artes de desenho e pintura. Entrou no laboratorio de M. Degotti, celebre pintor de theatro, a quem deveu a Opera obras admiraveis, entre outras “ o inferno das Danaides:” ahi teve os melhores exemplos, recebeu os melhores concelhos, e pôde vir a ser mestre logo que encontrou um theatro, que lhe permittiu pôr em pratica os designios que silenciosamente meditára. Lembram ainda os seus maravilhosos panos do luar no Sonho ou capella Glouthornn, do nascer do sol nos Mexicanos, de um nevoeiro n’um melodrama, e outros quasi innumeraveis, que o habilitaram para crear, mais tarde, o Diorama, que foi por largo tempo o assombro de franceses e estrangeiros; ahi expoz successivamente o valle de Saarnem, a capella de Holy-Rood, a abbadia de Roslyn, a aldêa de Untersem, a ponte de Thiers, o monte St. Gothard, o diluvio, etc. infelizmente se a creação do Diorama confirmou a reputação de Daguerre como artista, foi causa da sua perda. É notorio que aquelle estabelecimento ardeu, e o seu fundador teve de arrostar com mil demandas mais ou menos mortificantes, mais ou menos desastrosas. Sem duvida, para distrahir-se ou buscar meios de restabelecer seus haveres, damnificados por essa duplicada catastophe, deu-se a estudos de a experiencias com M. N. St. Victor, de Dijon, o primeiro que tratou dos meios de fixar e conservar as imagens obtidas n’uma superficie plana, mediante a camara obscura. É assás conhecido o resultado desses bellos trabalho. o mundo scientifico tomou sob sua protecção a descoberta dos dois artistas; uma lei, votada na camara dos deputados por proposta de M. Francisco Arago, lhe assegurou uma recompensa nacional;porém o nome do descobrimento recebeu o nome de Daguerre. São constantes os progressos que tem feito depois que veia a ser propriedade geral, e presume-se que ainda fará muitos maiores. Nestes ultimos tempos não descontinuava Daguere de aperfeiçoar o invento, e de certo instrucções bem preciosas se encontrarão a tal respeito nos seus papeis: deixou também grande quantidade de esboços, de desenhos, de aguarellas, de pinturas a tempera, de subido valor. No regimen da restauração tinha enviado alguns paineis ás differentes exposições no museu; e os seus grandes trabalhos foram causa de não figurar nelle mais a miudo. Daguerre havia contrahido matrimonio com uma ingleza que lhe sobrevive; esta senhora tomou parte no retiro em que seu marido se concentrou, depois de uma vida bastante agitada. — N’um supplemento da Illustração de Londres achamos a seguinte noticia mais circunstanciada. “ Uma nota inserta há pouco em o Moniteur no fim dos factos diversos annunciava que M. Daguerre fallecêra em Petit-Brie-Sur-Marne aos 10 de Julho, e que os funeraes teriam logar no dia 12. quem julgará por isto que se falla de um homem eminente, do inventor do diorama e do daguerreotypo, de um artista que tem certa a immortalidade? Os outros jornaes imitaram o silencio do jornal oficial. Absortos nas preoccupações politicas apenas consagraram a Daguerre algumas linhas insignificantes. Assentámos que deviamos reparar este esquecimento. Luiz Jacques Mandé Daguerre nasecu em 1788 em Cormeille, departamento de l’Eure. Foi primeiramente empregado nas contribuições directas, mas em breve, levado da sua vocação conseguiu ser admitido na officina de Degotti, decorador da Opera. Posto que de tempos a tempos expuzesse quadros de estylo, fez-se conhecido sobre tudo por decorações theatraes, que excederam tudo o que até alli fôra visto nesse genero, e os entendedores ainda se recordam das scenas dos machabeus, do Belveder, do sonho, da Alampada maravilhosa. Daguerre foi tambem collaborador de Prevost, tão celebre pelos Panoramas de Roma, de Napoles, de Londres, de Jerusalem, e de Athenas. Foi no laboratorio deste artista que encontrou Bouton, e ambos conceberam a idéa de um estabelcimento panoramico, em quea luz interviesse para ajuntar a mobilidade dos effeitos ao attrativo da cor: paraesse intento erigiu um edificio especial o architecto Chatelain, constructor dos banhos de mar de Dieppe, no local dos jardins do hotel de Samson. A sala tinha 7 metros e 77 centimetros de altura e 11 metros e 34 centimetros de diametro, podendo admitir 350 pessoas; o sobrado movel girava sobre um pião como os moinhos de vento sobre o seu eixo; a escada da sala girava com ella n’um corredor circular. Um homem só punha estemechanismo em movimento, a cada mutação de vista, e os espectadores eram transportados para defronte de uma grande abertura de proscenio, descobrindo-se no fundo o quadro a uma distancia que variava de 12 a 18 metros. As aberturas do proscenio tinham seis metros e 48 centimetros d’alto e 7 metros 12 centimetros de largo. Abriu-se o novo estabelecimento aos 11 de julho de 1822, e todos os contemporaneos se recordam da impressão que produziu; todos os jornaes se espraiaram em pomposos elogios. No anno seguinte, Mr. Daguerre ousou arrostar com uma difficuldade que parecia inesperavel. Mostrou-nos as ruinas da capella de Holyrood: os raios da lua prateavam o solo, bem como as anfractuosidades dasparedes destruidas; nuvens leves passavam a intervallos, e variavam o brilho do ceu; ao pé do tumulo, sobre o qual estava posta uma luz, rezava ajoelhada uma mulher vestida branco. Durante a exposição, tocava uma flauta uma antiga musica escoceza. O quadro obteve um triumpho que não deveu sómente ao seu merecimento e ao complexo de engenhosas combinações: a litteratura scismadora e melancolica estava então no seu apogeu, e o assumpto, que Daguerre excolhêra, quadrava optimamente com a disposição contemplativa dos animos. De 1822 a 1839 admiraram-se sucessivamente no Diorama a abbadia de Roslin, o porto de Brest, o interior das cathedraes de Rheims e de Chartres, o incendio de Edimburgo, a vista e Ruão depois de uma trovoada, a entrada da egreja de Mery junto a Pontoise, a aldeia de Entersen, a vista de Paris tirada de Bas-Meudon, a vista interior do claustro de St. Wandrille, a Selva Negra, o Cemiterio de Pisa, a ilha de Santa Helena, o Monte Branco, S. Pedro de Roma, a vista do Trocadero, a de Veneza tomada do grande canaldos esclavonios, a caldeira denominada do commercio em Gand, o monte St. Gothard, a missa da meia noite em St. Etienne du Mont, o templode Salomão, o esboroamento do Valle de Goldau en 1806. Estes quadros eram de uma illusão prodigiosa, diante delles esquecia-se a pintura para se crer na realidade: qualquer se persuadia poder vaguear em tôrno das columnas das egrejas, trepar os rochedos, embarcar nos rios, chegar á expremidade das galerias: a passagem das trevas para o dia, as variações atmosphericas eram fielmente reproduzidas. Na missa da meia noite o crepusculo baixava gradualmente, a egreja estava deserta e escura; depois acendiam-se as velas uma por uma, vinham os fieis ajoelhar nos logares até alli vazios, ouvia-se o orgão, e acabado o officio divino, apagavam-se as luzes deixando a egreja n’uma penumbra que dissipavam os primeiros alvores da aurora. Um incendio interrompeu os fructuosos trabalhos de MM. Daguerre e Macton: manifestou-se o fogo na sexta feira 3 de Março de 1839 pela uma hora da tarde na sala dita do Boulevard, onde Daguerre concluia a vista do interior de Santa Maria Maior: ás duas horas jorravam mui alto as chammas do edificio abrazado, e uma chuva de tições ameaçava os predios visinhos. Os socorros, dirigidos pelo perfeito da policia, tiveram por objecto salva as casas adjacents. O Diorama en brve se transformou n’um acervo de cinzas fumegantes, a que faziam cerco compacto os curiosos, mantidos a certa distancia pela força armada. Daguerre ia ser indemnisado desta perda por uma brilhante conquista. De combinação com M. Niepce pae, desde 1814 procurava os meios de fixar as imagens da camara obscura: tratava-se de achar uma substancia chimica tão sensivel aos raios luminosos, que conservasse o vestigio do seu contacto, deixando e preto os espaços subtrahidos á influencia da luz, de modo que produzisse uma verdadeira gravura. A final achou-se o segredo; m. Arago o expoz á Academia das siencias en sessão de 9 de Janeiro, requerendo queo governo fizesse a acquisição do processo. Em toda a França fez ecco o maravilhoso descobrimento. As primeiras provas photographicas excitaram nos sabios tanto assombro e enthusiasmo, quando deveria ter causado a grande invenção de Guttemberg. Em 15 de junho de 1839, M. daguerre foi nomeado official da lrgião de honra; e no mesmo dia foi appresentado um projecto delei tendente a obter o estado acessão dos methodos photographicos, por meio de uma pensão vitalicia de 6:000 francos para M. Daguerre e de 4:000 francos para o herdeiro do seu collaborador M. Niepce. As duas camaras adoptaram o projecto quasisem discussão nas sessões de 9 de Junho e dois de Agosto. Muitos conservarão memoria da immensa voga, que grangearam as primeiras experiencias publicas feitas no palacio do caes d’Orsay. Depois de ter revestido de uma camada de iode uma lamina de cobre folheada de prata, M. Daguerre a collocava n’uma camara obscura, onde se reflectia a paysagem quetinha depronte; ao cabo de alguns minutos tirava a lamina, que não tinha soffrido alteração alguma apparente, e expunha-a aos vapores de mercurio aquecido na temperatura de 65 gráus centigrados; depois a fazia passar por uma barrela de solução quente de hydrosulphato de potassa; e o resultado completo da operação era appresentado á aggregação de pessoas escolhidas que se apinhavam em redordo inventor. Daguerre revelou seus methodos n’um folheto intitulado Historia e descripção dos processos do Daguerreotypo e do Diorama com observações e notas. O auctor confessava lealmente a parte que tivera nas investigações photographicas M. Niepce pae, fallecido em 1833. ambos haviam trabalhado separados durante um bom numero de annos, e a final encontraram-se. Niepce já tinha obtido, quando se associou com Daguerre, fixar imperfeitamente a imagem da camara obscura n’uma chapa metallica, untada com uma solução de bitume de Judea en oleo essencial de alfazema. Daguerre a principio aperfeiçoou este methodo defeituoso para descobrir o aparelho, que tem agora o seu nome. O daguerreotypo creou novos recursos a milhares e individuos; as artes e as sciencias diariamente fazem applicações delle; logrou-se empregal-o em 1850 para notar exactamente as variações do thermometro, do barometro, e da agulha magnetica. É sobretudo util para a representação fiel dos monumentos. “Se existisse na epocha da campanha do egypto (diz M. Arago) bastaria um homem só para concluir, com bom exito em alguns meses, um trabalho que exigiria, para ser desempenhado pelos processos graphicos ordinarios, vinte annos uma legião de desenhadores: queremos fallar da reprodução dos milhões de milhões de hieroglyphicos, de que estão cobertos os grandes monumentos de Thebas, de Memphis, de Karnaat. Teriamos hoje a inapreciavel vantagem de possuir copias fieis delles, em vez dessas figuras de convenção que occupam tantas e tão vastas estampas na historia da expedição ao Egypto.” O auctor de tão insigne descobrimento, o pintor, cujas telas dioramicas foram o encanto de Paris por espaço de vinte annos, assentava ter feito bastante para a gloria de seu nome, e vivia retirado n’uma aldeia, onde veio assaltal-o a morte. (Siècle) |
- ACONTECIMENTOS - ANTOLOGIA – CRONOLOGIA – MISCELÂNIA - NOTÍCIAS - ... – SEC. XIX (Desde 1971, que tenho recolhido em diversas publicações e jornais de época, textos e informações diversas, de assuntos referentes à Fotografia, num período que limitei até ano de 1900,constituindo uma cronologia e antologia. Dada a enorme quantidade de informação que recolhi, este blog encontra-se em ainda organização.)
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domingo, 6 de dezembro de 2009
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quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
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1845 23 de Janeiro | REVISTA UNIVERSAL LISBONENSE Tomo IV ANNO DE 1844-1845 Nº 27 Pag. 329, 330 Lisboa Imprensa da gazeta dos tribunaes Ru dos Fanqueiros nº. 32 1845 | LUZ PINTORA 3842 – SABE, com certeza, que é n’esta casa? - Com toda a certeza, rua nova dos Martyres, n.º 34, 1.º andar, Mr Thiesson ! - Mas estas seges á porta !... - Mr. Thiesson de Pariz: não tem duvida nenhuma. - Pintor. - Não. - Pintor de retratos ... - Também não: Mr. Thiesson, retratista. - Não percebo a diferença. - Em casa de Mr. Thiesson nã se vê nem pincel, nem palheta, nem lapis, nem sequer uma penna n’um tinteiro ao pé d’uma folha de papel. - Até ahi não há nada de extraordinario, mas parecia-me ter percebido que elle se ocupava em tirar retratos, por signal a 4$800 rs.; e era para isso...Em seis retratos meos que tenho mandado fazer por diversos artistas, para dar á minha noiva, ns em miniatura, outros em claro escuro, outros a oleo, tenho sido até hoje tão feliz, que se ella tivesse a indiscrição de os mostrar, daria a mais horrorosa idéa da sua constancia; julgal-a hiam namorada de seis pessoas differentes, inclusivamente de meu avô, e d’outro individuo, que poderá vir a ser meu neto ainda antes de eu ser caduco. A arte a meu respeito já tinha desanimado: proclamou-me inconquistavel; um verdadeiro Gibraltar da especie humana em relação a ela ! Diseram-me então que Mr. Thiesson copiava tudo, com a fidelidadede um espelho . - Exactamente. - Mas pareceu-me ouvir ao meu amigo que ele não tinha instrumentos. - Nem os necessita: as mãos sãoquasi inteiramente superfluas a mr. Thiesson. - Visto isso é por encantamento que elle trabalha; é com a palavra que ele traslada as nossas feições ! - Tal qual: apresenta-se-lhe a pessoa que deseja ver-se, não retratada, mas duplicada. O jovem ... artista, visto que é necesário chamarmos-lhe alguma coisa, olha apenas para ela, mandando-a sentar, e assim como Deusdise: faça-se a luz, diz ele á luz: faça-se o retrato, e o retrato é feito ! Subamos. - Uma palavra primeiro; tudo o que o meu amigo me acaba de dizer, a respeito de Mr. Thiesson, e que poderiafigurar muito decentemente n’um conto persico, para adormecer ao governador dos orentes Hareun Alraschid, póde vir a ter consequencias pouco agradaveis. Eu bem sei que já estamos nas raias do carnaval; mas o meu amigo sabe tambem que eu não sou dos que se deixam escarnecer impunemente, assim uma única palavra emquanto é tempo. Mora aqui Mr. Thiesson, retratista, e capaz de me retratar, note isto bem; capaz de me retratar ... a mim? - Tão capaz, que há-de ser V. S.ª um dos poucos que posam gabar-se de ter cumprido o preceito do sabio da Grecia: há-de-se conhecer a si mesmo. - Muito bem, subamos. - Pouco depois estavam os dois interlocutores n’uma vasta sala de esquina, com frente rasgada toda em janelas, que não formavam mais do que uma, e deitando para um belo jardim. O principal ornamento d’esta sala bastou para estremecer até aos alicerces a incredulidade do homem dos seis retratos. Via uma quantidade prodigiosa d’eles a vestir as paredes, com tantisimo primor acabados - tão perfeitos os que eram de pessoas suas conhecidas - que a sua triste presumpção de inconquistavel, imediatamente areou bandeira. - O meu companheiro triumphava surrindo. - Quem derá aquela bele figura? – perguntou ele como que a si mesmo – viva simpathica, exprimindo a probidade e o talento? - Bartholomeu dos Martyres ! imposivel não recohecer no primeiro relance - E este nobre aspecto militar? - O Ferreri. - Este aqui não há duvida, é Agostinho Albano. - Ele mesmo, e vivo; parece-me estal-o ouvindo n’um daqueles seus improvisos no parlamento, admiraveis de sciencia e profundidade. - N’este momento entrou Mr. Thiesson, mancebo elegante, alto, phisionomia agradavel, olhos brilhantes, maneiras de homem costumado a boa sociedade. - Meus senhores – dise elle no mais puro parisience – o que estaes vendo são apenas alguns retratos de que os seus originaes não pareceram ficar satisfeitos, e que por isso foi necesario tirar segunda vez: os approvados partiram; estes são apenas os refugos: mas permiti-me que vos mostre algumas outras curiosidades do mesmo genero, um tanto mais notaveis pela sua pequenez. Incaminhou-os para uma jardineira colocada no eio da sala, sobre a qual dentro de uma caixa coberta de vidraça se viam alguns retratinhos de cavalheiros e damas de tão microscopicas dimenssões, que n’um alfinete de peito, porexemplo, se inxergavam duas meninas conversando. O incredulo não podia acreditar nos seus olhos, parecia até applicar o ouvido para as escutar, e surria como que percebendo as suas palavras que manifestamente, com taes rostos, e tal expresão, não podiam deixar de ser segredos, segredos do coração d’aqueles que não admitem terceiro. Ainda porém não era tudo. Um microscopio, que Mr. Thiesson lhe meteu os olhos n’este momento, um microscopio, o eterno escarnecedor das mais perfeitas obras da arte, lhe patenteou uma perfeição tão minuciosa, e tão completa em todas as partes, e sobre tudo um relevo de formas, um palpavel elastico de carnes, um morbido e fino de cabellos, um raiar de olhos vivo e fallador, que se diria que alguma fada invejosa das duas formusuras as encantára, para ficarem para sempre imoveis, reduzidas áquele carceresinho de oiro, de uma polegada. - Muito bem, senhor, o que eu acabo de ver excede tudo quanto havia lido e ouvido da vosa arte milagrosa. Quereis vós ter a bondade de fazer o meu septimo e ultimo retrato? - Com o maior gôsto; desçamos ao meu jardim e a luz vos vae servir dentro em poucos segundos. Por diante de uma cortina branca, estendida sobreuma das paredes do jardim, ve se uma cadeira ao lado de uma mesa; a mesa está coberta de um pano pintado de ramalhões, a cadeira tem no alto da espalda uma hastea terminando n’um circulo para encosto da parte posterior da cabeça, e podendo, por via de um registo, subir ou descer para se egualar á altura da pesoa. - Tende a bondade de vos sentar: não haveis de chegar a impacientar-vos. Muito bem, a vosa nuca inteiramente descançada n’este circulo de metal;esa perna sobre a outra, o braço estribado na hanca:d’este modo podereis conservar-vos immovel por um terço de minutos, mas immovel com a mais perfeita imobilidade. Sem isso correrieis grande perigo de vos aparecerdes com quatro ou seis olhos, duas ou tres bocas, um rosto e meio, ou um nariz mais comprido que todo o corpo, é o que torna extremamente difficeis os retratos das_____([i])e dos passaros; e impossiveis os das dançarinas e dos doidos. - Mas creio, senhor, que o céu não estará hoje nuito disposto a favorecer-vos; aquellas nuvens, cobrindo e descobrindo o sol, devem perturbar singularmente a vosa cleste collaboradora. - Não temaes nada; a luz é perfeitamente obsequiosa, as variações da athmosfera só fazem que ela gaste alguns segundos mais ou menos, para nos servir, mas o effeito é seguro; é como o olhar da mulher que se ama, venha de perto ou de longe: exprima a tristeza ou a alegria, nem por isso deixa de vir estampar-se no coração. Emquanto ella vos observar para retratar-vos; observal-a-hei eu a ella para adivinhar quando tem concluido a sua tarefa: agora silencio! Escolhei o objecto em que haveis de ter fitos os olhos, e deixae-a trabalhar. - Dizendo isto puchou do relogio, mostrou a hora, minuto e segundo em que se estava, e chegando a um cofrezinho, collocado, quatro ou cinco pés dianteda cadeira, levantou uma corediça que o fechava pela frente, e poz-se a considerar alternativamente o movimento das nuvens e do ponteiro, apenas este marcara o seu decimo quinto passo, fechando a subitas o cofre exclamou: - Já vos tenho em meu poder. E desappereceu com a enigmatica bocéta. Quinze minutos depois de operações mysteriosas, em quarto escuro, fechado e sem testimunhas, Mr. Thiesson voltou trazendo na mão o mais cabal e ireprensivel de todos os retratos: um verdadeiro espelho com memória. O inconquistavel ao lapis e pinceis soltou um grito de espanto: via-se entre as suas proprias mãos, inteiro, desde a cabeça até aos pés: contou uma moeda de oiro pelo seu resgate, e correu para se ir entregar duas vezes simultaneamente á dama dos seus pensamentos que de tão boa mente esqueceu os seis retratos por este, como dentro em pouco, segundo se espera, poderá esquecer este pelo original - Um zeloso – lhe dise o seu companheiro, despedindo-se – um zeloso de lei, nunca entregaria um similhante retrato á mulher que adorase! É demasiadamente vivo, demasiadamente homem. Substitue-vos, e não é vós mesmo: é Jupiter, sob a forma de Amphytrião, diante do Alemens: a realidade aqui não é menos maravilhosa que a fabula: o proprio Arago, o grande confidente dos segredos da creação, ficou atonito diante de Mr. Thiesson sem poder conceber a sua obra; e a academia das sciencias de Paris, depois de o coroar dos mais altos elogios, não podendo resolvel-o a revellar o seu segredo, pediu-lhe em nome da sciencia e obteve que elle lh’o deixasse em carta lacrada para se abrir depois da sua morte: é uma herança preciosa para as artes, mas em cuja posse ellas folgariam de não ____([ii]) pelo decurso de um seculo. |
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