domingo, 6 de dezembro de 2009

REVISTA UNIVERSAL LISBONENSE

1851

7 de Agosto

REVISTA UNIVERSAL LISBONENSE

Tomo III

ANNO DE 18450-1851

2ª Série

10º ANNO

Nº 48

Pag. 573,574, 575

Lisboa

Imprensa da gazeta dos tribunaes

Rua dos Fanqueiros nº. 32

1845

INVENTO DO DAGUERREOTYPO

509 ● No dia 12 do passado Julho, artistas em numero consideravel se dirigiam a Petite-Brie, aldêa pouco distante de Paris, para tributar os deradeiros e piores deveres a um homem, cujo nome immortal está annexo a um dos mais admiraveis descobrimentos dos tempos modernos.

M. Daguere, que nascêra em Cormeilles no ano de 1788, contando apenas 63 anos de edade succumbiu quasi subitamente. O illustre artista tinha ultimamente adquirido excesiva gordura e parece ter sidi victima de uma apoplexia ou congestão cerebral.

Daguere mostrou em edade precoce as mais vantajosas disposições para as artes de desenho e pintura. Entrou no laboratorio de M. Degotti, celebre pintor de theatro, a quem deveu a Opera obras admiraveis, entre outras “ o inferno das Danaides:” ahi teve os melhores exemplos, recebeu os melhores concelhos, e pôde vir a ser mestre logo que encontrou um theatro, que lhe permittiu pôr em pratica os designios que silenciosamente meditára. Lembram ainda os seus maravilhosos panos do luar no Sonho ou capella Glouthornn, do nascer do sol nos Mexicanos, de um nevoeiro n’um melodrama, e outros quasi innumeraveis, que o habilitaram para crear, mais tarde, o Diorama, que foi por largo tempo o assombro de franceses e estrangeiros; ahi expoz successivamente o valle de Saarnem, a capella de Holy-Rood, a abbadia de Roslyn, a aldêa de Untersem, a ponte de Thiers, o monte St. Gothard, o diluvio, etc. infelizmente se a creação do Diorama confirmou a reputação de Daguerre como artista, foi causa da sua perda. É notorio que aquelle estabelecimento ardeu, e o seu fundador teve de arrostar com mil demandas mais ou menos mortificantes, mais ou menos desastrosas.

Sem duvida, para distrahir-se ou buscar meios de restabelecer seus haveres, damnificados por essa duplicada catastophe, deu-se a estudos de a experiencias com M. N. St. Victor, de Dijon, o primeiro que tratou dos meios de fixar e conservar as imagens obtidas n’uma superficie plana, mediante a camara obscura. É assás conhecido o resultado desses bellos trabalho. o mundo scientifico tomou sob sua protecção a descoberta dos dois artistas; uma lei, votada na camara dos deputados por proposta de M. Francisco Arago, lhe assegurou uma recompensa nacional;porém o nome do descobrimento recebeu o nome de Daguerre. São constantes os progressos que tem feito depois que veia a ser propriedade geral, e presume-se que ainda fará muitos maiores.

Nestes ultimos tempos não descontinuava Daguere de aperfeiçoar o invento, e de certo instrucções bem preciosas se encontrarão a tal respeito nos seus papeis: deixou também grande quantidade de esboços, de desenhos, de aguarellas, de pinturas a tempera, de subido valor. No regimen da restauração tinha enviado alguns paineis ás differentes exposições no museu; e os seus grandes trabalhos foram causa de não figurar nelle mais a miudo.

Daguerre havia contrahido matrimonio com uma ingleza que lhe sobrevive; esta senhora tomou parte no retiro em que seu marido se concentrou, depois de uma vida bastante agitada.

N’um supplemento da Illustração de Londres achamos a seguinte noticia mais circunstanciada.

“ Uma nota inserta há pouco em o Moniteur no fim dos factos diversos annunciava que M. Daguerre fallecêra em Petit-Brie-Sur-Marne aos 10 de Julho, e que os funeraes teriam logar no dia 12. quem julgará por isto que se falla de um homem eminente, do inventor do diorama e do daguerreotypo, de um artista que tem certa a immortalidade? Os outros jornaes imitaram o silencio do jornal oficial. Absortos nas preoccupações politicas apenas consagraram a Daguerre algumas linhas insignificantes. Assentámos que deviamos reparar este esquecimento.

Luiz Jacques Mandé Daguerre nasecu em 1788 em Cormeille, departamento de l’Eure. Foi primeiramente empregado nas contribuições directas, mas em breve, levado da sua vocação conseguiu ser admitido na officina de Degotti, decorador da Opera. Posto que de tempos a tempos expuzesse quadros de estylo, fez-se conhecido sobre tudo por decorações theatraes, que excederam tudo o que até alli fôra visto nesse genero, e os entendedores ainda se recordam das scenas dos machabeus, do Belveder, do sonho, da Alampada maravilhosa. Daguerre foi tambem collaborador de Prevost, tão celebre pelos Panoramas de Roma, de Napoles, de Londres, de Jerusalem, e de Athenas. Foi no laboratorio deste artista que encontrou Bouton, e ambos conceberam a idéa de um estabelcimento panoramico, em quea luz interviesse para ajuntar a mobilidade dos effeitos ao attrativo da cor: paraesse intento erigiu um edificio especial o architecto Chatelain, constructor dos banhos de mar de Dieppe, no local dos jardins do hotel de Samson. A sala tinha 7 metros e 77 centimetros de altura e 11 metros e 34 centimetros de diametro, podendo admitir 350 pessoas; o sobrado movel girava sobre um pião como os moinhos de vento sobre o seu eixo; a escada da sala girava com ella n’um corredor circular. Um homem só punha estemechanismo em movimento, a cada mutação de vista, e os espectadores eram transportados para defronte de uma grande abertura de proscenio, descobrindo-se no fundo o quadro a uma distancia que variava de 12 a 18 metros. As aberturas do proscenio tinham seis metros e 48 centimetros d’alto e 7 metros 12 centimetros de largo.

Abriu-se o novo estabelecimento aos 11 de julho de 1822, e todos os contemporaneos se recordam da impressão que produziu; todos os jornaes se espraiaram em pomposos elogios. No anno seguinte, Mr. Daguerre ousou arrostar com uma difficuldade que parecia inesperavel. Mostrou-nos as ruinas da capella de Holyrood: os raios da lua prateavam o solo, bem como as anfractuosidades dasparedes destruidas; nuvens leves passavam a intervallos, e variavam o brilho do ceu; ao pé do tumulo, sobre o qual estava posta uma luz, rezava ajoelhada uma mulher vestida branco. Durante a exposição, tocava uma flauta uma antiga musica escoceza. O quadro obteve um triumpho que não deveu sómente ao seu merecimento e ao complexo de engenhosas combinações: a litteratura scismadora e melancolica estava então no seu apogeu, e o assumpto, que Daguerre excolhêra, quadrava optimamente com a disposição contemplativa dos animos.

De 1822 a 1839 admiraram-se sucessivamente no Diorama a abbadia de Roslin, o porto de Brest, o interior das cathedraes de Rheims e de Chartres, o incendio de Edimburgo, a vista e Ruão depois de uma trovoada, a entrada da egreja de Mery junto a Pontoise, a aldeia de Entersen, a vista de Paris tirada de Bas-Meudon, a vista interior do claustro de St. Wandrille, a Selva Negra, o Cemiterio de Pisa, a ilha de Santa Helena, o Monte Branco, S. Pedro de Roma, a vista do Trocadero, a de Veneza tomada do grande canaldos esclavonios, a caldeira denominada do commercio em Gand, o monte St. Gothard, a missa da meia noite em St. Etienne du Mont, o templode Salomão, o esboroamento do Valle de Goldau en 1806.

Estes quadros eram de uma illusão prodigiosa, diante delles esquecia-se a pintura para se crer na realidade: qualquer se persuadia poder vaguear em tôrno das columnas das egrejas, trepar os rochedos, embarcar nos rios, chegar á expremidade das galerias: a passagem das trevas para o dia, as variações atmosphericas eram fielmente reproduzidas. Na missa da meia noite o crepusculo baixava gradualmente, a egreja estava deserta e escura; depois acendiam-se as velas uma por uma, vinham os fieis ajoelhar nos logares até alli vazios, ouvia-se o orgão, e acabado o officio divino, apagavam-se as luzes deixando a egreja n’uma penumbra que dissipavam os primeiros alvores da aurora.

Um incendio interrompeu os fructuosos trabalhos de MM. Daguerre e Macton: manifestou-se o fogo na sexta feira 3 de Março de 1839 pela uma hora da tarde na sala dita do Boulevard, onde Daguerre concluia a vista do interior de Santa Maria Maior: ás duas horas jorravam mui alto as chammas do edificio abrazado, e uma chuva de tições ameaçava os predios visinhos. Os socorros, dirigidos pelo perfeito da policia, tiveram por objecto salva as casas adjacents. O Diorama en brve se transformou n’um acervo de cinzas fumegantes, a que faziam cerco compacto os curiosos, mantidos a certa distancia pela força armada.

Daguerre ia ser indemnisado desta perda por uma brilhante conquista.

De combinação com M. Niepce pae, desde 1814 procurava os meios de fixar as imagens da camara obscura: tratava-se de achar uma substancia chimica tão sensivel aos raios luminosos, que conservasse o vestigio do seu contacto, deixando e preto os espaços subtrahidos á influencia da luz, de modo que produzisse uma verdadeira gravura. A final achou-se o segredo; m. Arago o expoz á Academia das siencias en sessão de 9 de Janeiro, requerendo queo governo fizesse a acquisição do processo. Em toda a França fez ecco o maravilhoso descobrimento. As primeiras provas photographicas excitaram nos sabios tanto assombro e enthusiasmo, quando deveria ter causado a grande invenção de Guttemberg. Em 15 de junho de 1839, M. daguerre foi nomeado official da lrgião de honra; e no mesmo dia foi appresentado um projecto delei tendente a obter o estado acessão dos methodos photographicos, por meio de uma pensão vitalicia de 6:000 francos para M. Daguerre e de 4:000 francos para o herdeiro do seu collaborador M. Niepce. As duas camaras adoptaram o projecto quasisem discussão nas sessões de 9 de Junho e dois de Agosto.

Muitos conservarão memoria da immensa voga, que grangearam as primeiras experiencias publicas feitas no palacio do caes d’Orsay. Depois de ter revestido de uma camada de iode uma lamina de cobre folheada de prata, M. Daguerre a collocava n’uma camara obscura, onde se reflectia a paysagem quetinha depronte; ao cabo de alguns minutos tirava a lamina, que não tinha soffrido alteração alguma apparente, e expunha-a aos vapores de mercurio aquecido na temperatura de 65 gráus centigrados; depois a fazia passar por uma barrela de solução quente de hydrosulphato de potassa; e o resultado completo da operação era appresentado á aggregação de pessoas escolhidas que se apinhavam em redordo inventor.

Daguerre revelou seus methodos n’um folheto intitulado Historia e descripção dos processos do Daguerreotypo e do Diorama com observações e notas. O auctor confessava lealmente a parte que tivera nas investigações photographicas M. Niepce pae, fallecido em 1833. ambos haviam trabalhado separados durante um bom numero de annos, e a final encontraram-se. Niepce já tinha obtido, quando se associou com Daguerre, fixar imperfeitamente a imagem da camara obscura n’uma chapa metallica, untada com uma solução de bitume de Judea en oleo essencial de alfazema. Daguerre a principio aperfeiçoou este methodo defeituoso para descobrir o aparelho, que tem agora o seu nome.

O daguerreotypo creou novos recursos a milhares e individuos; as artes e as sciencias diariamente fazem applicações delle; logrou-se empregal-o em 1850 para notar exactamente as variações do thermometro, do barometro, e da agulha magnetica. É sobretudo util para a representação fiel dos monumentos. “Se existisse na epocha da campanha do egypto (diz M. Arago) bastaria um homem só para concluir, com bom exito em alguns meses, um trabalho que exigiria, para ser desempenhado pelos processos graphicos ordinarios, vinte annos uma legião de desenhadores: queremos fallar da reprodução dos milhões de milhões de hieroglyphicos, de que estão cobertos os grandes monumentos de Thebas, de Memphis, de Karnaat. Teriamos hoje a inapreciavel vantagem de possuir copias fieis delles, em vez dessas figuras de convenção que occupam tantas e tão vastas estampas na historia da expedição ao Egypto.”

O auctor de tão insigne descobrimento, o pintor, cujas telas dioramicas foram o encanto de Paris por espaço de vinte annos, assentava ter feito bastante para a gloria de seu nome, e vivia retirado n’uma aldeia, onde veio assaltal-o a morte.

(Siècle)

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