domingo, 29 de agosto de 2010

1839, Março - REVISTA LITERÁRIA

1839

 Março

REVISTA LITERÁRIA

( Revista Literária, Periodico de Litteratura, Philosophia, Viagens, Sciencias, e Bellas Artes ) Tomo Terceiro

2º Anno

Porto – Typographia Commercial Portuense, Largo de S. João Novo, Nº. 12

1839

Porto

Bellas Artes

 

DEZENHO OBTIDO PELA LUZ, OU PROCESSO PELO QUAL OS OBJECTOS POR SI MESMOS SE DESENHAM SEM AJUDA DO LÁPIS. (*) ([i])

 

Na primavera de 1834, diz  M. Talbot, comecei eu a ensaiar um methodo, que já já mais tempo eu tinha tenção de experimentar, com o intento de applicar a um objecto util  a propriedade tão curiosa que tem o nitrato de prata de se corar quando se expõe aos raios violentos da luz do sol. Eis o que eu me propuz fazer para aproveitar esta propriedade, que os chimicos já desde muito tempo tinhão descoberto.

“ Pareceu-me que devia primeiramente estender sobre uma folha de papel sufficiente quantidade de nitrato de prata, e expor depois o papel aos raios do sol, tendo previamente posto de premeio algum objecto que lançasse sobre o papel uma sombra bem limitada. A luz cahindo no resto do papel devia fazel-o negro, em quanto as partes assombradas se conservarião brancas. Esperava eu que daqui resultasse um dezenho ou imagem que representasse até certo ponto o objecto que a tinha produzido; mas ao mesmo tempo me lembrava que tinha de conservar estes desenhos em uma pasta, e que não os podia ver senão a uma luz artificial.

“ Tal foi o meu primeiro projecto antes de ser ampliado e corrigido pela experiencia. Só passado tempo, e já depois de ter obtido muitos resultados inteiramente novos, é que me lembrei de indagar se este methodo já tinha sido practicado ou proposto por alguem: soube que com effeito já tivera sido tentado, mas sem perseverança, e em pequeno numero de cazos: nem mesmo pude descobrir documentos satisfactorios, que explicassem miudamente a maneira de o practicar com vantagem. O que eu achei mais positivo sobre este ponto foi uma memoria de Sir Humphry Davy publicada no primeiro Volume do Jornal da Royal Institution. A primeira idea destes ensaios parece ser devida a Wedgwood, que, junto com Sir H. Davy, fez grande numero de experiencias, todas baldadas. Um dos maiores obstaculos que estes dous experimentadores encontrárão, foi o não poderem fazer com que deixasse de se fazer negro o papel, sobre o qual se pintavão as imagens, por cauza da acção da luz sobre o nitrato de prata. Esta circunstancia, e a declaração de que não tinhão podido obviar a este inconveniente, serião  bastantes para me fazerem suppor inexequivel o meu projecto o meu projecto, se por fortuna eu não tivesse descoberto, antes de ler a tal memoria, o meio de vencer tamanha difficuldade, e de fixar a imagem de maneira que ella podesse expor-se á luz sem se destruir ou deteriorar.

“ No decurso das experiencias a que eu procedi notei, não sem grande admiração minha, a variedade de effeitos que se pode obter d’um limitado numero de processos, combinando-os de differentes maneiras. É desta sorte que imagens obtidas por este methodo, e que no fim de um anno tinhão apparecido perfeitamente conservadas, se alteravão com tudo no anno seguinte, em quanto outras conservavão toda a sua pureza. Esta circunstancia junta com o facto de se terem perdido os meus primeiros dezenhos (porque o papel se tinha feito todo negro) determinárão-me a observar por longo espaço de tempo as mudanças que experimentarião estes dezenhos, porque eu receava que por fim todos tivessem a mesma sorte que os primeiros. Porem, com grande satisfação minha, vi que os meus temores erão mal fundados; e como muitos destes dezenhos que eu conservei por tempo de cinco annos ainda não tem o mais pequeno signal de alteração, julgo-me autorisado a dar alguma importancia aos resultados das minhas experiencias, e ás conclusões que dellas posso deduzir. As imagens por este methodo obtidas são brancas, mas o fundo em que assentão pode ser de diversas cores.

“ É tal a variedade de processos que este methodo comprehende, que variando somente as proporções, e alguns trabalhos pouco importantes de manipulação, podem-se obter as cores seguintes:

 

Azul Celest

Amarello

Cor de roza

Pardo mais ou menos carregado

Preto

 

Falta só neste numero a cor verde, e um pardo muito carregado que é quasi preto. O azul produz bello effeito, semelhante ao da louça de Wedgwood, cuja pintura é branca em fundo azul. Os dezenhos em que esta cor se emprega conservão se intactos, com tanto que estejão guardados em uma pasta, porque a materia que os produz  não é sujeita a modificação alguma espontanea, e não carece de nenhum meio conservador. Estas diversas modificações de cores são outros tantos compostos chimicos differentes, que os chimicos até hoje não tinhão distinguido. Os primeiros objectos cuja imagem eu pertendi obter forão folhas e flores, quer frescas, quer tiradas do meu herbario: umas e outras forão reproduzidas com tanta fidelidade e exactidão, que se distinguião as immensas nervuras das folhas, e os tenues pellos que cobrem as plantas &c. As flores mais compostas e delicadas erão copiadas com tão minuciosa exactidão que nem faltavão os mesmos orgãos que so com auxilio de microscopio se podem ver. E com tudo um desenho destes que levaría a um artistas semanas inteiras de assiduo trabalho, alcança-se com os meios que a chimica põe á nossa disposição em tão pouco tempo, e com tão pouco trabalho, como  mais simples e menos complicado dezenho.

“ Um exemplo já será bastante para fazer entender a minuciosa exactidão com que por este methodo se podem reproduzir os objectos. Tendo um dia obtido a imagem de um pedaço de renda cujo risco era muito complicado, mostrei-o a algumas pessoas  situadas a poucos pés de distancia, perguntando-lhes se achavão exacta a reprodução? Respondêrão-me que eu queria enganal’-as, porquanto ellas bem vião que aquillo não era um dezenho, mas a propria renda.

“ Desde os primeiros tempos em que eu me dediquei a estas experiencias, comecei a ter grande pena por ver que tão bellos desenhos obtidos pela acção da luz, estavão condemnados a uma existencia ephemera, e tomei logo a resolução de descobrir um meio, que, quando não impedisse inteiramente a sua destruição, a retardasse ao menos quanto fosse possivel. E as considerações seguintes fizerão-me conceber a possibilidade de chegar a este resultado.

“ O nitrato de prata que se fez negro com a acção da luz já não é chimicamente a mesma substancia, que era antes daqella modificação. Por conseguinte, se um desenho obtido pelos raios solares se submetter a uma outra operação chimica, poderá esta ultima produzir effeitos sobre as partes brancas do desenho, e sobre as que forem pretas, e não seria impossivel que depois desta ultima operação, as partes primitivamente brancas e pretas deixassem de ser susceptiveis de soffrer mais alguma modificação espontanea, ou tambem que no cazo que ellas ainda a podessem ter, não resultasse  com  tudo que as duas cores differentes tendessem a assemelhar-se e confundir-se. No cazo pois em que ellas podessem ter algumas mudanças sem deixarem de ser differentes, a imagem seria conservada, e desta sorte obtinha o fim que me propunha.

“ Se se affirmasse que a exposição do desenho á luz do sol devia necessariamente reduzir as duas côres de que se elle se compõe a uma só tinta e destruir assim a imagem, proferia-se uma asserção, que seria indispensavel provar. Eu fiz o seguinte raciocinio designando pela letra A a exposição á luz do sol, e por B uma operação chimica indeterminada. Ora como se não pode demonstrar a priori que o resultado final da serie de operações A B A deva ser o mesmo que o de B A, parece rasoavel continuar as experiencias variando a operação B  ate se descubrir a que convem ao fim proposto, ou ate que se tenhão feito tantas operações que se percão as esperanças de encontrar a que conviría.

“ Os meus primeiros ensaios forão infructuosos, como eu tinha previsto; mas depois de algum tempo achei um processo que me satisfez, e não tardou que descobrisse um segundo. Inclinei-me mais especialmente a um destes processos, porque o outro exigia mais cuidado na operação, posto que fosse igual, senão superior ao primeiro em quanto á perfeição do resultado.

“ Esta operação chimica, que eu chamo processo de conservação (1) ([ii]), é muito mais efficaz do que eu suppunha. O papel que primitivamente era tão sensivel á luz fica tão insensivel depois desta operação, que deixando eu alguns desenhos expostos ao sol de verão por mais de uma hora, não experimentárão a minima alteração.

“ Este phenomeno, que em poucas palavras eu acabo de mencionar, parece-me tão maravilhoso como qualquer dos grandes phenomenos que o estudo da natureza nos tem ate hoje revelado. A couza menos estavel deste mundo – uma nuvem, emblema proverbial do que já mais passageiro e mais mudavel, pode ser apanhada pelo encanto da minha operação magica, e fixar-se para sempre na posição que parecia não dever occupar mais que um instante!

“ Antes de passar mais adiante devo dizer, que não é  absolutamente indispensavel recorrer ao meio de conservação; se eu me dei ao trabalho de o procurar foi porque suppuz ao principio que semelhantes desenhos perderião com o tempo toddo o seu valor senão houvesse meio de os preservar desta alteração; a experiencia porem mostrou-me depois que já outros muitos modos de alcançar o mesmo fim, e de dar aos desenhos uma certa duração, uma vez que se tenham abrigados da acção directa dos raios solares. Todavia ser-me-ia penozo dar conta de todos os meios de obter este resultado, porque nem sempre tomei nota das circunstancias que me poderião esclarecer sobre este ponto; de modo que foi mais por acazo que eu fiz estas observações, tendo só notado que alguns dos desenhos que eu não havia submettido ao processo de conservação tinhão não obstante conservado a sua nitidez e brancura por tempo de um anno, e de dous, em quanto outros preparados em differentes circunstancias se fizerão  inteiramente negros em espaços de tempo dez vezes menores. Tomo nota, e denuncio este facto, cuja  importancia será impossivel prever neste momento, porque ainda que na maior parte dos cazos seja mais prudente ter o trabalho de applicar o processo de conservação ás imagens obtidas, com tudo já outros em que se poderá julgar mais util não fazer semelhante applicação contentando-nos com desenhos que podem conservar a sua brancura á sombra muitos annos. Assim o naturalista que deseja em uma viagem conservar a imagem das plantas que encontrou, sem se dar ao trabalho de as secar, e de as conduzir, não tem mais do que pegar em uma folha de papel preparado, fazer-lhe cahir em cima a imagem da planta que quer conservar, e fechal’-a na sua carteira. O defeito destes desenhos é não ser bem igual o fundo; mas isto pouco importa quando so queremos a utilidade, sem nos importar a belleza do effeito obtido.

“ Agora direi alguma couza sobre os differentes ramos da arte a que o meu methodo me parece applicavel.

Retratos de perfil; ou tirados pela sombra do rosto. Pelo que toca a exactidão não tem comparação alguma um retrato obtido por meio da acção dos raios solares sobre o papel preparado, com o que é traçado pela mão do mais habil artista, cujo menor desvio pode alterar extraordinariamente a semelhança.

Pintura em vidro. Os desenhos que se obtem expondo as pinturas em vidro á luz do sol, e recebendo a imagem sobre o papel preparado, produzem um mui notavel effeito. Todo o vidro que rodeia a pintura deve estar pintado de preto, como aquelle que algumas vezes é empregado na lanterna magica: na pintura do vidro não deve haver as cores amerella ou vermelha vivas, porque estas duas cores interceptão os raios violetes, unicos que  produzem o effeito chimico. As pinturas assim obtidas são as que mais se parecem com as que são o producto do pincel do artista.  As pessoas a quem as tenho mostrado tem julgado que são verdadeiras pinturas confessando ao mesmo tempo que são d’um genero inteiramente novo, e que deve ser difficil de apprender. So nestas pinturas é que me tem sido possivel obter diversidade de cores; entretanto por falta de vagar não pude levar mais adiante as minhas investigações. Era por certo um immenso progresso se se chegasse a poder reproduzir os objectos com as suas cores naturaes. Eu por mim não me atrevo a ter esperanças de que já mais se chegue a este resultado: no entretanto já é um passo para esta descoberta o ter podido obter alguns indicios de variedades de cores.

Applicação ao microscopio. Esta é certamente a parte das munhias descobertas mais importante e mais util: e consiste na applicação do meu methodo á reproducção da imagem dos objectos amplificados pelo microscopio solar.

“ Os objectos que o microscopio offerece a nossos olhos, com quanto pareção maravilhosos, offerecem pela maior parte uma indecifravel complicação. É verdade que a vista pode comprehender a totalidade dos objectos que se apresentão no campo da visão; porem o pincel não pode reproduzir as innumeraveis minucias que offerece a natureza em suas obras. Qual artista teria o saber e a paciencia necessaria para as copiar? E suppondo mesmo que elle o podesse fazer, não seria isso á custa d’um tempo precioso que elle podia aproveitar melhor em objectos muito mais uteis? Por estas razões tratei eu de substituir o innimitavel pincel da natureza, aos esforços que em vão faria a arte para reproduzir effeitos tão complicados.

“ Meus primeiros ensaios forão perdidos, posto que eu tivesse escolhido um dia claro, e fizesse cahir sobre o papel preparado uma boa imagem do objecto.

“ Quando voltei passada uma hora, nada encontrei que se parecesse com um desenho: e estava já disposto a abandonar esta experiencia quando me lembrei de examinar se na verdade o muriato de prata era de todas as substancias a mais sensivel á acção chimica dos raios do sol. Ainda que eu não tivesse facto algum a oppor a esta opinião geralmente recebida, determinei comtudo continuar as minhas tentativas neste sentido até me convencer experimentalmente da verdade ou falsidade de tal opinião.

“ Comecei por tanto uma outra serie de experiencias sobre as diversas preparações que são susceptiveis de receber influencia da luz solar, e logo obtive satisfactorios resultados, e até maravilhosos. Entretanto devo dizer que eu so considerava esta questão practicamente; porque hei-de confessar que me é impossivel explicar theoricamente a razão porque um papel preparado por tal processo é mais sensivel á luz, do que o que passou por differente preparação.

“ O resultado destas experiencias foi a descoberta d’um  modo de preparação muito superior em sensibilidade ao que ate ali eu tinha empregado (1) ([iii]),e deste modo posso realisar completamente todos os effeitos que eu d’antes so em theoria reputava possiveis.

“ Quando uma folha do papel, que eu chamo sensitivo (sensitive paper), collocada na camara obscura recebe do microscopio solar a imagem amplificada d’um objecto qualquer, o desenho fica prompto no fim, pouco mais ou menos, d’um quarto d’hora. Eu ainda não empreguei vidro que augmentasse muito por cauza do enfraquecimento da luz; mas com um papel mais sensivel poder-se-já usar vidros mais convexos.

“ Desta sorte não só se economisará tempo e trabalho, mas tambem se obterá a representação dos objectos que s’alterarem tão rapidamente que não dêem tempo a desenharem-se com lapis, como são algumas cristallisações microscopicas.

“ Agora direi alguma couza sobre o gráo de sensibilidade do papel sensitivo; advertindo que ainda estou mui longe de suppor que elle tenha tocado as raias da perfeição.

“ Quando se aproxima uma folha de papel sensitivo a uma janella onde não dê o sol, logo começa a fazer-se negra. Por isso quando se prepara este papel á luz do dia, não deve deixar-se descoberto nem um momento, mas arrecadal’o logo em uma gaveta, ou fazel’o seccar á noute ao calor do lume. Antes de me servir deste papel para obter a imagem d’um objecto, exponho-o por alguns momentos á luz para lhe dar uma leve côr, com o fim de conhecer se o fundo está igualmente distribuido. Se passados alguns instantes o papel offerecer este caracter, é provavel que ate ao fim o conserve; mas se eu observo sobre alguns pontos manchas mais carregadas do que o resto da folha, então ponho- -a de parte; porque se me servisse della, expunha-me a que o fundo em vez de aprezentar a cor preta uniforme indispensavel para a belleza do dezenho, mostrasse largas manchas brancas que aniquilarião todo o effeito.

“ O papel que é tão sensivel á luz simples d’uma janella, ainda o é mais á que provem directamente dos raios luminosos: e é tal a rapidez com que o effeito se produz que se pode dizer que o desenho acaba e começa ao mesmo tempo. Pode-se avaliar em meio segundo o tempo necessario para obter á luz solar a imagem d’um objecto, e com signaes perfeitamente distinctos.

Arquitectura e Paisagem. A applicação do meu methodo aos casos de que aqui vou fallar é talvez o mais admiravel; pelo menos foi a que assombrou mais as pessoas que examinárão a minha collecção de desenhos feitos á luz do sol.

“ Não já ninguem que ignore os bons effeitos que se obtem da camara escura, e que não tenha admirado a facilidade com que ella reproduz com todas as cores os objectos collocados da parte de fora. Muitas vezes meditava eu no interesse que este aparelho offereceria se chegassem a fixar-se no papel as engraçadas vistas que por momentos nelle se pintão, ou mesmo se somente fosse possivel fixar os contornos e as sombras dos objectos ainda que privados de todas as cores que os matizão. A facilidade com que eu tinha chegado a fixar as imagens engrandecidas pelo microscopio solar, deu-me esperanças de poder pelo mesmo processo obter a imagem dos objectos collocados fora da camara obscura, posto que fossem illuminados por uma luz muito menos viva. Como na aldea eu não tivesse camara obscura fil’-a d’uma grande caixa a que adaptei uma lente objectiva, a qual enviava a imagem dos objectos externos para o lado opposto ao em que estava situada. Este apparelho provido d’uma folha de papel sensitivo foi collocado a 100 varas pouco mais ou menos de distancia d’um edificio favoravelmente allumiado por um sol de verão ao meio dia. Passada uma hora achei sobre o papel uma imagem bem distincta d’este edificio, excepto das partes que estavão á sombra. Em bem pouco tempo vim a conhecer por experiencia que com pequenos apparelhos era o effeito produzido em menos tempo, e desta sorte cheguei a obter com pequenas caixas, e com pequenas lentes muito convexas, desenhos de notevel exactidão, mas em tão pequenas proporções, que parecião não poder ser senão o resultado do trabalho d’algum artista lilliputiano, sendo precizo serem examinados com uma lente para distinguir todos os objectos minimos que em si encerravão.

“ No verão de 1835 obtive grande numero de desenhos da minha caza de campo. O methodo que adoptei era o seguinte. Depois de adaptar uma folha de papel sensitivo ao foco de cada uma destas pequenas camaras obscuras, levava comigo umas poucas que ia collocar em differentes posições ao redor da caza; depois de meia hora tirava-as todas achando em cada uma desenhados em miniatura os objectos diante dos quaes esteve collocada.

“ Esta descoberta parece-me que deverá ser util aos viajantes que não souberem desenho, ou tambem ao artista que nem sempre pode ter tempo para reproduzir com o seu lapis todos os objectos, que elle reputa dignos de fixarem a attenção. Posto que a imagem obtida por este trabalho da natureza diffira da que o artista dezenharia, e não possa realmente substituil-a, todavia deve elle ter-se em muitos cazos por feliz podendo obter em tão curtos momentos a representação d’objectos, de que nem a lembrança poderia conservar.

Dezenhos de pedaços de escultura. Quando eu quero tirar a imagem d’uma estatua ou d’um baixo relevo, exponho-as a uma luz do sol muito viva, e colloco em conveniente distancia uma pequena camara escura com o papel preparado. Estes ensaios ainda não foram muito adiantados por mim; mas não duvido que se obtenhão, deste modo d’applicar o meu methodo, importantes resultados, e que se possa empregar com grande vantagem em muitas circunstancias.

Copias de gravuras.  Podem-se obter mui facilmente copias de gravuras ou fac similes;  para este effeito applica-se o papel sensitivo á gravura, de modo que as figuras estejão em contacto com o papel. O contacto entre as duas folhas deve ser geral, pois que o menor intervallo altera extraordinariamente o resultado produzindo uma massa vaporosa em lugar dos traços distinctos do original. Expõem-se estas folhas á luz do sol que atravessa logo o papel, excepto nos pontos em que obstão as linhas opacas da gravura, e obtem-se a imagem exacta do desenho. Davy e Wedgwood tinhão já tentado esta experiencia: mas não obteve bom exito porque lhes faltava o papel sensitivo.

“ O tempo necessario para obter esta copia varia segundo a grossura do papel em que estiver a gravura. Quando o papel é muito grosso, basta meia hora para obter uma boa copia.. Deste modo reproduzi eu gravuras muito delicadas, e cheias de muitas figuras pequenas que se conservão com grande nitidez. Não deve haver receio de que o papel preparado altere a gravura, uma vez que ambos estejão bem seccos. Entretanto se se observar alguma mancha na gravura depois da operação, será ella facil de tirar com uma preparação chimica que não altere a gravura.

“ Nestas especies de copias as sombras e os claros estão ás avessas; mas se uma copia depois de passar pelo processo da conservação poder expor-se aos raios luminosos sem se alterar, pode esta então ser copiada pelo mesmo processo, e ministrar assim a repetição exacta da gravura; porque nesta segunda copia os claros e os escuros tem já recuperado suas primitivas posições. Este processo seria principalmente util para obter sem grande despeza a copia de gravuras raras e unicas, mas que não fosem tão procuradas que merecessem a pena serem de novo gravadas.

“ Terminarei fazendo algumas notas sobre uma circunstancia particular que já assignalei, e que é de grande importancia; e vem a ser a disposição que offerecem algumas folhas de papel sensitivo de ficarem insensiveis á luz. Não era facil explicar a causa desta alteração; entretanto creio que se pode attribuir a uma falta de equilibrio. O processo seguido para esta preparação pode produzir dous compostos chimicos diversos, e sobre os quaes a acção da luz solar não produz effeitos exactamente semelhantes. Vê-se por tanto que segundo a preparação do papel levar mais para um ou para outro destes compostos, o que depende de circunstancias apparentemente pouco importantes, e até certo ponto inapreciaveis, assim se obterão effeitos inteiramente differentes em relação ao modo d’acção da luz solar.



([i]) (*) O interesse que estão actualmente excitando as experiencias de M. Daguerre sobre a arte de fixar os dezenhos na Camara obscura faz com que aqui copiemos a memoria de M. Talbot, em que nos dá a historia de todos os ensaios que sobre este objetcto tinha feito. Se, como parece, elle obteve resultados menos brilhantes que os que chegou a alcançar o sabio artista fracez, tem todavia o merito de reconhecer que havia ainda nuito campo a descobrir, e de indicar o caminho que seguio, e por onde se devia marchar. N. dos RR.

([ii]) (1) M. Talbot escreveu ultimamente uma carta ao Instituto de França em que declarou este processo. Consiste em submetter o papel em que se quer fixar a imagem a uma lavagem com uma solução pouco concentrada de iodureto de potassium, de hyposulfito de potassa ou de soda, ou de chlorureto de sodium.

([iii]) (1) Esta preparação consiste em cobrir o papel de camadas alternas de chlorureto de sodium e de nitrato de prata, mettendo-o em fracas soluções aquosas destes dous saes. Depois de cada immersão é mister ter cuidado de deixar secar bem o papel.

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