terça-feira, 21 de abril de 2009

1861 - A EXPOSIÇÃO INDUSTRIAL DO PORTO em 1861, Impressões d'esta grande festa nacional

1861
A EXPOSIÇÃO INDUSTRIAL DO PORTO em 1861, Impressões d'esta grande festa nacional
por
A. LUCIANO,
Socio Correspondente da Associação Industrial Portuense.
Porto
NA TYPOGRAPHIA DO DIARIO MERCANTIL
rua dos Lavadouros Nº. 19 e 21.
1861.
EXPOSIÇÃO INDUSTRIAL DO PORTO
em
1861

XVIII

As bellas artes e o genio - A photographia - Motivos de collocação - Talbotypia e daguerreotypia - O retrato, o panorama, o monumento e o grupo historico - Photographos portuenses - ...

A photographia, a esculptura e a pintura terão as honras deste capitulo. Entraremos pois agora na elevada esphera das bellas artes.

No intervallo destas duas salas do angulo nordeste do edificio, em que productos de pura industria se interrompem para dar logar aos que são illuminados pela radiante flamma do genio; não se estuda, nem se analysa só. Contempla-se. Ha mais do que o espirito a enlevar-se. Ha a imaginação.
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Collocamos na primeira linha a photographia ao pé da esculptura e da pintura. Não empallideçam d'indignação os censores puritanos. A collocação, se é heretica, não lhes é feita com intenção offensiva, mas só porque já assim está concebida nas salas da Bolsa. Da culpa, se o é, lavamos as mãos.
Prescindimos de sustentar, que á photographia pertença um logar no gremio das bellas artes. Não iremos pôr o sol a par de Rubens ou Rembrandt. O brilho, que o torna deslumbrante, é muito outro.
Appelidemos portanto com outro qualquer adjectivo a arte photographica, e indique elle a transição entre a industria e a bella arte. Assim, teremos dado razão de ser á propria disposição feita pela commissão da exposição, mesmo sem attender ao auxilio, que á arte presta este feliz invento do nosso seculo, permittindo ao viajante trazer no seu album o fiel traslado dos melhores panoramas, vulgarisando as estampas dos mais notaveis monumentos do mundo, favorecendo o archivar das feições das personagens mais distinctas na scena da vida publica.
A photographia está adiantadissima entre nós. Basta quasi o Porto para preencher esta secção. Fritz, Miguel Novaes, Horacio Aranha, Anthero Seabra, dominam a acção da luz com mestria, e não são desmerecidos pelos specimens photographicos de Hespanha, aqui expostos.
A photographia propriamente em papel (talbotypia, do nome do inventor Talbot) é a mais geralmente seguida. O daguerreotypo foi supplantado pelas vantagens do novo processo, em que a imagem é mais fixa, mais visivel, e mais caracteristica nos tons, e a innovação progride até ao bilhete de visita. Só o segredo do colorido natural continuou a ser a desesperação dos nossos expositores, como de todos os physicos.
A exposição das photographias exhibidas na Bolsa pode-se dividir em quatro classes, que denominaremos - retrato, panorama, monumento, e grupo historico. O retrato, que subdividiremos em retrato de pequeno e grande formato, tem por expositor principal do primeiro o snr. Miguel Novaes, do Porto, do segundo os snrs. Moliné & Albareda, de Barcelona.
O snr. Miguel Novaes, cujo atelier é um dos nossos mais famosos, expõe uma bella collecção de retratos, em que as roupas, as posições, os fundos, os tons, e os effeitos de luz revelam summo talento e consumada pericia no operador. Os visitadores, principalmente femininos, agrupam-se defronte destas photographias, tanto para procurar nas suas reminiscencias os originaes, como para admirar, depois de achados, a sua similhança com elles. Quando se offerece á vista a effigie do principe dos actores comicos, é logo um murmurio de approvação, deixando proromper de quando em quando o grito: " o Taborda! o Taborda!"
O snr. D. Pedro V com a sua visita á officina photographica do snr. Miguel Novaes habilita-o a acrescentar á sua exposição o retrato, em corpo inteiro, do inaugurador de festa tão nacional. É uma das melhores provas, que apresenta.
Uma miniatura com o retrato do photographo completa esta collecção, porem o logar, onde foi posta, não deixava apreciar bem este specimen, unico no seu genero aqui. Pendant estava-lhe destinado do Rio de Janeiro na miniatura do irmão do photographo, o popular poeta Faustino Novaes, porem o desejado producto extraviou-se antes de ser recebido pela Associação Industrial.
O snr. Horacio Aranha, egualmente jovem de habilidade, tem fronteiros os seus retratos, que brilham muito. Os bilhetes de visita, que expoz unico, variando a posição em cada um, satisfazem bellamente ao fim, a que são consagrados.
O terceiro expositor portuense, o snr. Domingos Pascoal Junior, está pouco numeroso em exemplares; nos poucos, que exhibe, acham-se conhecidos o folhetinista Julio Machado, e a actriz Anna Cardoso, notaveis pela similhança.
É forçoso porem confessar, qae a verdadeira exposição do snr. Pascoal está na sua vidraça da rua de Santo Antonio, diante da qual terá do observador mais lisongeiro juizo. Com imparcialidade dizemos, que se não gostamos da sua exposição na Bolsa, achamos excellente a que tem na sua residencia. Foi pena ser menos selecto nos retratos expostos agora.
Moliné & Albareda só teem um rival formidavel, nos retratos de grande formato, em Fritz, photographo allemão tão acreditado n'esta cidade, e que nos patenteou um excelente retrato em grandeza seminatural.
Os photographos da caza real de Hespanha enviaram trez bellas photographias com os retratos dos snrs. presidente honorario, presidente effectivo, e vice-presidente da Filial da Associação Industrial Portuense em Barcelona. São uma interessante adquisição para a nossa associação, a quem foram offerecidas generosamente pelos originaes. Um distico em grandes caracteres de lettra manuscripta consignava esta dadiva barcelonense, precioso documento dos progressos da photographia na peninsula.
Que dois soberbos panoramas apresenta agora Fritz n'este extenso amphiteatro do Porto, e na fragorosa corrente do Douro tumido pela ultima cheia! Para-se aqui para louvar o sucesso do photographo, e a sua firmeza em aproveitar os raios luminosos no momento proprio.
Estes dois quadros são os bastantes para nos fazerem comprehender a valia da machina de Fritz. O Porto em toda a sua extensão desde Massarellos até além da ponte pensil, com a sinuosidade do rio bordando-lhe o contorno, ergue-se d'este leito de agoa, tal qual o modelo, até os ultimos corucheos dos seus edificios.
Mas tambem esta scena da ultima cheia é magnifica pelo terrivel assumpto, que photographa. A memoria da calamidade está tão fresca, que o quadro nos faz transportar ao local; o céo ennevoado desespera-nos da bonança, os candieiros do gaz apenas emergem a extremidade, ramos arrancados pela torrente se accumulam nos obstaculos encontrados, a ponte pensil é ameaçada pelo elemento formidavel que lhe ruge bem perto, o rio caudal e arrebatado se empola, brame, soverte, engole, e parece dizer de si como o poeta:

Eu sou o Douro famoso,
Sou mais que o Tejo orgulhoso,
Mais que o Minho poderoso....
- Sou das torrentes o rei.

Se querem ver desenrolar-se-lhe expectaculo mais tranquillo e amêno, aqui estão as paizagens stereoscopicas do Minho, photographadas pelo snr. João Allen, e as da Madeira, pelo snr. Gordon.
Não é tão magestoso, mas é mais jucundo o prospecto pelas formosas varzeas do Minho e da Madeira, os dois jardins de Portugal continental e insular.
N'aquelle o correr placido do Ave, os campos frondentes da Palmeira, as torres que alvejam no mosteiro, os olmedos, que sussurram no arroio. N'este, as praias açoutadas pelo perpetuo embate das ondas, a vegetação tropical não se dedignando pullular em tal clima, as penedias abruptas ostentando os mais imponentes caprichos da natureza, a atmosphera balsamica aromatisando vergeis e campinas, encantos estes que, na expressão do nosso Camões, não fariam Venus desprezar ilha tão afortunada, mas

Antes sendo esta sua se esquecera
De Cypro, Gnido, Paphos e Cythera.

Mas deixando estas vistas pittorescas, de cuja nitidez deriva o esquecermo-nos quasi da falta de colorido; analysemos um outro genero. A reprodução de monumentos tem um abundante expositor no snr. Joaquim Possidonio Narciso da Silva, architecto da Caza Real.
A sua collecção apresenta-nos tiradas de negativa as seguintes vistas: - Fachada da egreja de Santa Cruz, em Coimbra - Claustro e torre da mesma egreja - Palacio episcopal, em Coimbra - Ruinas de Santa Clara, na mesma cidade - Palacio das Necessidades - Theatro de D. Maria II - Pateo da universidade - Claustro dos Jeronimos, em Belem - Estufas da quinta das Larangeiras - Jardins de Queluz - Claustro do convento de S. Francisco, em Santarem - Largo da Sé, em Lisboa - Ruinas de Santo Antonio, em Lisboa - Palacio de Queluz - Viveiros da quinta de Belem.
Posto que esta collecção nos dê assim uma ideia d'alguns dos nossos principaes monumentos, e faça effeito pelo numero; todavia havemos de fazer notar, quanto mais sobresahem os poucos specimens, que exibe o snr. Anthero Seabra. Este habil photographo, que nos tem dado tão perfeitas reproducções dos monumentos do Minho, que jornaes de viagens estrangeiros as teem aproveitado; ainda aqui mostra o que vale.
O projectado fecho do arco da rua Augusta, em Lisboa, enviado pelo snr. Calmels, não é tanto para apreciar como simples amostra photographica, como para se admirar a divina inspiração da arte animando a concepção do esculptor lisbonense, a quem foi entregue o projecto d'esta decoração na Praça do Commercio de Lisboa.
O grupo historico não está tão copioso em provas. O snr. Fritz apresenta-nos Camões e o Jao. O snr. Horacio Aranha tem no caixilho da sua exposição copias de gravuras, e entre ellas as da rarissima edição do Camões do morgado de Matheus. É o que vemos n'esta divisão.
A facilidade, com que a maravilhosa descoberta de Niepce favorece a adquisição da fidelisima copia das obras primas dos nossos melhores artistas, evidenceia o desejo, que tinhamos, de que a exposição estivesse mais rica em photographias historicas. A gravura neste sentido tem prestado grandes serviços, não ha duvida, todavia nunca em fidelidade poderá a gravura exceder, senão egualar, a photographia.
Ainda não queriamos terminar o que tinhamos a dizer sobre a photographia, sem fazer menção da vista do primeiro caminho de ferro inaugurado em Hespanha, em 1848. É devida á machina dos snrs. Moliné & Albareda, de que já fallamos com louvor, que agora continuamos.
Acabando de compulsar a pagina, que ao livro da exposição deu o capitulo mais precioso da optica applicada; vemo-nos n'um espaço illimitado, a cujos pontos culminantes nos cingiremos, saltando por sobre as charnecas obscuras. A esculptura e a pintura nos enchem mais este estadio.

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