quinta-feira, 17 de junho de 2010

O PANORAMA

1840

4 de Janeiro

O PANORAMA

 

Nº. 140,

T. IV

DAGUERROTYPO

JÁ de outro numero do Panorama (*) ([i]) tiveram os nossos leitores noticia de um prodigioso invento, que sem duvida vai ocasionar uma revolução nas artes do desenho. Então pouco mais sabiamos do que os effeitos e as experiencias. Hoje que o processo foi divulgado por uma indemnisação ( ainda que acanhada ) concedida  pelo governo francez ao seu auctor, o insigne Daguerre, daremos a este respeito noticias mais circumstanciadas começando por dizer que o nome do inventor ficou associado ao do invento, o qual se lê no titulo deste artigo, advertindo que conhecemos não serem estas linhas a alcance de todos; mas que nos persuadimos que a muitos poderão utilisar para as pôr em pratica. As noções que vamos dar são um resumo das ideas de Arago, exaradas nos Annaes de Chimica e Physica do mez de Julho do anno passado.

Os primeiros experimentadores empregaram para a execução folhas de papel impregnadas de nitrato de prata. Um tal  Mr. Niepce lembrou-se de fazaer uso do betume de Judéa dissolvido no oleo de alfazema formando um verniz que applicou sobre uma chapa metalica: submettendo esta chapa á acção do fogo o oleo de alfazema se dissipava, e só ficava adherente á superficie metalica um pó esbranquiçado. A chapa assim preparada disposta sobre o foco da camara-obscura, appresentava quando se retirava ..... sim um imagem - mas confusa e pouco visivel. Entretanto apercebeu-se que na realidade havia na chapa mais alguma cousa alem do que se via, e dedicou-se a indagar alguma substancia propria para tirar o que não conviesse. O primeiro processo que lhe lembrou para conseguir este fim foi uma mistura de oleo de alfazema com o de petroleo. Com este processo obteve resultado; mas ainda pouco satisfactorio. Para corrigir pois o que o projecto tinha de defeituoso lembrou-se depois de misturar o sulfureto de potassa com o iode. Obteve com isto um resultado menos imperfeito, mas que ainda não servia bem: a imagem ficava pouco assignalada e tardava muito tempo a formar-se. Para fixar Niepce lavava então a chapa, o que lhe fazia perder a sensibilidade.

Neste estado Niepce só julgava o seu descobrimento proprio para copiar e reproduzir grandezas. Entretanto na mesma epocha Daguerre sem conhecer Niepce caminhava a um fim identico por outro caminho - o de empregar um acção phosphorescente. Logo que se relacionaram, associaram-se os dois e Daguerre fez consideraveis melhoramentos nos processos que Niepce tinha ideado. O betume de Judéa substituiu logo o oleo d'alfazema distillado e para o fazer mais liquido e de mais regular applicação, o fez dissolver no ether. Porem deixando de parte o historico em que viria a ponto contar que já n'uma causa em Paris sobre divorcio appareceu por unico documento a effigie de uma mulher casada nos braços do seu amante, apressemo-nos a offerecer aos nossos leitores o processo seguinte para poderem fazer uso do Daguerrotypo não obstante os varios apparelhos que exige, e as muitas operações que se requerem. Será  possivel que entre nós, com o auxilio d'algum mediano chimico a quem se lerem as seguintes linhas, se consiga pô-lo em practica e talvez aperfeiçoar.

Toma-se primeiramente uma placa de cobre chapeada de prata desoxidada e limpa com muito cuidado empregando a agua-forte ou o acido nitrico diluido em agua. Expõe-se esta placa assim ao vapor do iode que se fórma em um apparelho construido para este fim. Este vapor gera em cima da chapa uma como pellicula por extremo tenue e sensivel no ultimo gráu, quando se submette á acção da luz. Importa nesta primeira operação que o vapor de iode fórme uma camada ou crusta da mesma espessura por toda a chapa. Este iode que produz o vapor coloca-se no fundo de um apparelho em uma capsula cuberta de um pedaço de gaze metalica.

É preciso ter todo ocuidado de não agitar o apparelho durante esta primeira operação, sob pena de falhar tudo. A chapa vai-se cubrindo tanto mais, quanto mais é o tempo que se deixa exposta a esta acção do vapor do iode.

Convem pois saber-se conhecer quanto basta. Para este conhecimento não se precisa mais do que olha-la á claridade de uma luz (por quanto toda a operação é feita ás escuras) e vendo se a chapa começa de amarellejar, o que é signal infalivel de estar completa a preparação. Feito isto tira-se a chapa do apparelho, tendo toda a precaução de a subtrahir da acção da luz que em um decimo de segundo a alteraria.

Para evitar os raios luminosos Daguerre engenhou um pequeno apparelho acessorio composto de duas tampas de madeira que deixando a chapa dentro se podem fechar hermeticamente. É nesta especie de caixa que a chapa é transportada para a camara-obscura, e se colloca no fóco desta ultima. Por um mechanismo tambem engenhoso as duas tampas se abrem e deixam cahir a chapa no logar da camara-obscura. A luz e o objecto que se quer desenhar projectam-se dentro desta ao modo ordinario, e como lá está já no logar competente a chapa com a pellicula formada pelo iode, é esta que recebe tal projecção. Dentro de 3 a 12 minutos ( conforme a intensidade da acção da luz solar ) esta segunda operação está acabada.

Tira-se então a chapa, depois de a metter entre as duas tampas de que fizemos menção. Nella vem já formada realmente a imagem, porem ainda não perceptivel: falta-lhe a terceira operação, destinada a fazer então apparecer a imagem. Esta operação é tambem como a primeira feita ás escondidas da luz do dia.

Transporta-se a chapa na competente caixa a outro apparelho em que se expõe (ás escuras) á acção do mercurio á imitação do praticado com o iode e com a precaução de ter inclinada a chapa em um angulo de 45º proximamente, para lhe fazer melhor receber o vapor do mercurio (*) ([ii]): tendo aqui a chapa horisontalmente não sahiria a imagem bem.

Com uma vela accesa se póde ver durante esta operação obrar o mercurio como o mais habil pintor.- Elle ataca com mais força as partes que foram com mais intensidade feridas pela luz; escaçamente aquellas sobre que esta apenas rastejou, e deixa intactas as não tocadas. É assim que a imagem avulta, e que se fórmam os claros, os escuros e as penumbras.

O objecto unico da operação final é fixar esta imagem impressa na chapa. Basta para isto o conseguir mergulhar rapidamente a chapa no hypossulfito de soda e lava-la depois com agua distillada. E quem fizer esta operação tem com toda a fidelidade quantos desenhos de architectura e paizagem quizer, assim como as copias dos quadros de Rafael, com pouca despeza e sem aturar alheios caprichos.



([i]) Veja o Panorama Nº 94, pág. 54 do 3º. vol.

([ii]) (*) Para esta  3ª operação basta um calor de 60º, sendo a temperatura do mercurio indicada por uma escalla barometrica collocada no exterior do apparelho e alumiada por uma luz. Quando a escalla barometrica marcar 60º tira-se a chapa para a submeter á ultima operação.

Sem comentários:

Enviar um comentário