segunda-feira, 29 de março de 2010

O RECREIO Jornal das Familas - REVELAÇÃO DO SERGREDO DA POLYGRAPHIA

1841

Maio

O RECREIO

 Jornal das Familas

(Lisboa)

Nº. 5

Pag. 105, 106, 107

REVELAÇÃO DO SERGREDO DA POLYGRAPHIA

         

Mais vezes temos fallado da descoberta da polygraphia, invento devido ao Sr. Hercules Florence, morador na villa de S. Carlos,  provincia de S. Paulo; o segredo porém desta importante descoberta tinha ficado até agora occulto, e pelo que haviamos dito sobre o assumpto, pequena idéa se podia fazer da importancia do resultado. Hoje, authorisados por seu author em carta que nos escreve de 25 de Fevereiro, estamos em circumstancias de satisfazer a avidez dos curiosos a um e outro respeito; porque não só podemos revelar, como faremos, em que o dito segredo consiste, mas temos além disto na nossa mão as provas do resultado da sua applicação e emprego.

Acha-se nesta typographia uma collecção de 23 impressos polygraphados em diversas épocas desde 1831. O author convida os Srs. Artistas do Rio de Janeiro e a todos os amigos das artes que se quizerem certificar da realidade da descoberta da polygraphia, para que os venhão examinar. « Notarão sem duvida, diz elle, muito atrazo na gravura e incorrecção no desenho; mas é isto devido a difficuldades materiaes que me occupo de remover com o emprego de um papel cellular, em vez da preparação da gomma-arabia, da cera e da garça, de que agora uso.» Já se vê na dita collecção um desenho feito com este papel; e o author tem já conseguido fazer um papel que tem o gráo tão fino como o das pedras lithographicas, sobre o qual está fazrndo um novo ensaio, que, por causa de outras occupações, não póde, por ora, apresentar.

De varias impressões polychromas (de muitas côres) se achão na collecção dois exemplos, que, pelo que diz o author, não são dos melhores, em consequencia de que, á medida que erão promptas as encommendas, se entregavão a seus donos. Distinguem-se cinco côres em um dos exemplares, e quatro no outro.

Quanto ao methodo porque taes resultados se obtiverão e se podem obter outros iguaes, eis-aqui uma breve exposição do processo:

«A tinta é composta de oleo de linhaça concentrado, pouca cera e pós pretos. Deita-se, em quanto quente, em uma fôrma quadragular: depois defria, toma a consistencis do sabão, e apresenta uma superficie perfeitamente plana.

«Estende-se papel fino sobre uma taboa, põe-se-lhe uma camada espessa de gomma-arabia tinta de preto, e por cima desta outr de cera. Traça-se o escripto ou o desenho com ponteiros de varias fórmas, de maneira que o traço deixe a gomma-arabia descoberta.

«Estende-se por cima do desenho assim gravado uma garça fina, que pela pressão que se faz com uma espatula curva, se prende na cera, e liga todas as partes isoladas do desenho. Cobre-se tudo com um pouco da mesma tinta da fôrma. Tira-se o papel da taboa e põe-se na agoa. A gomma-arabia que está entre o papel e cera dissolve-se e desliga uma da outra; a chapa de cera apresenta então o reverso do desenho ou do escripto, e,  se se lhe não põe tinta, póde-se vêr a luz atravéz de todos os traços. Põe-se esta chapa de cera sobre a tinta da fôrma, e fechão-se as beiradas com tiras de papel grudadas. Resulta que a chapa tem a tinta por baixo, a qual com a força da prensa passa atravéz do desenho e imprime-se sobre o papel. Mas é indispensavel que o papel tenha em si um liquido que tenha acção dissolvente sobre a tinta, e por isso põe-se um pouco de decoada forte na agoa em que se molha o papel aonde se vai imprimir.

«Tenho imprimido muito tempo com gelatina, com ella foi que imprimi o mappa  itinerario da provincia por ordem do Governo; mas esta tinta, que era tão vantajosa para a nitidez dos exemplares, tinha o defeito de não ser indelevel, e de não imprimir com qualquer pequeno gráo de frio.

«Quando se quer imprimir com muitas côres, devem setas ser moídas com o mesmo oleo e cera; fazem-se depois talhadas de diversos tamanhos, e embutem-se na tinta da fôrma. Aqui direi de passagem que,  se tivesse tido tempo,  teria intentado fazer desenhos por esta fórma, e teria impresso quadros a oleo.

«Vê-se agora como é que a minha chapa é fornecida de tinta para muitos milheiros de exemplares, porque  póde a tinta que está por baixo ter tal espessura que seja inexgotavel.

« Estou agora fazendo um papel cellular , ou poroso, permeavel á tinta, para, em vez de cera e garça, formar  nelle desenhos cellulares, isto é, taes que nos traços e sombras os póros sejão abertos, e que em tudo o que for campo os póros sejam tapados. Por esta maneira se poderá obter o desenho de lapis como na lithographia, e com o papel cellular se transformarão as provas que se lhe imprimirem em outras tantas chapas.

«Nesta nova arte não se empregão pedras, nem chapas de metal, nem madeiras; desenha-se no rigor da palavra, e a impressão é a mais prompta possivel, visto que nunca se poe tinta na chapa: tem-me acontecido dever apertar e tirar com toda a promptidão, porque a mais pequena demora era nociva á nitidez da prova.»

Nisto consiste o segredo da importante descoberta da polygraphya: não se sabe qual deve admirar-se mais, se a simplicidade do meio que se emprega, se a  grandeza do resultado que se obtem.

 

                                                  (Jornal do Commercio)

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