quarta-feira, 18 de março de 2009

1886,1 de Junho - O OCCIDENTE

O OCCIDENTE
9º Anno
Vol. IX
Nº 268
Pag. 123, 126
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EXPOSIÇÃO INTERNACIONAL DE PHOTOGRAPHIA NO PORTO
(continuado do Nº. 266)

Occupar-nos hemos agora dos photographos nacionaes.
A Photographia Moderna apresenta-se distinctamente, na variada e numerosa collecção de provas de diversos processos photographicos que exhibe, revelando-se em todos esses trabalhos não só uma instituição artistica esmerada, como um desejo muito louvavel de progredir por meio do estudo proveitoso das novas descobertas da photographia.
Foi aos proprietarios d'este reputado estabeleimento que se deveu a iniciativa do presente certamrn e é a um d'elles, o sr. Ildefonso Correia, que cabe grande parte da gloria resultante dos esforços empenhados para o seu bom exito
O sr. Ildefonso Correia, a cargo do qual está a direcção technica da Photographia Moderna, possue a par de uma intelligencia culta, uma aptidão não vulgar reunida ainda a uma grande força de vontade.
D'este modo, os conhecimentos vastos adquiridos pela leitura constante de tudo quanto se relaciona com a arte que cultiva, o que dá um eculio poderosissimo de elementos de competencia technica, e o bom gosto manifesto e indispensavel derivado de uma orientação artistica bem educada, contribuem para que os trabalhos d'esta casa se extremem por qualidades que não podem passar desapercebidas áquelles que não se deixam facilmente offuscar por meras apparencias.
Exhibe a Photographia Moderna retratos em diversos formatos, desde o cartão de visita até á ampliação em tamanho natural, paisagens, costumes, phototypias, photo-litographias, etc.
Nos retratos accentua-se a par de uma boa disposição das figuras, a sciencia deos tornar de um aspecto delicado, sem se recorrer ao lambido do toque exagerado. O retoque é apenas o indispensavel e isto contribue para que a physionomia apresente uma modelação completa e gorda sem desapparecerem os traços da individualisação. Com este predicado essencial e com o auxilio de uma boa distribuição de luz, o retrato torna-se suave, de um relevo agradavel e de um desenho que faz sobressahir os valores das tonalidades.
Como exemplos de correcção indicaremos, entre outros, um delicioso busto de mulher com a cabeça envolta em um lenço, um verdadeiro primor de arte, os retratos de João Correia, Rossi, Taborda, João Rosa, da esposa de Bordalo Pinheiro, de várias actrizes, de uma cabeça de mulata, um retrato em corpo inteiro, de uma senhora, com um vestido de chita, um busto de manola, o retrato em meio corpo, do mesmo modello, os de creanças e finalmente os do novo formato denominado cartão-felicitação.
Na maior parte d'estes retratos predomina o fundo branco, mais ou menos sombreado, começando-se a abandonar os fundos de scenografia de composição phantasiosa. A simplicidade do fundo em photographia contribue sempre para o maior realce do retrato.
Relativamente ás ampliações expostas, achamol-as muito inferiores aos demais trabalhos d'esta casa. Quasi todas se resentem das durezas e das incorrecções peculiares a este género de reproducção, e algumas até deixam bastante a desejar em presença do merecimento revelado nos retratos directos.
Na collecção das paisagens e vistas ha exemplares muito bem trabalhados e de perfeita nitidez. Mencionaremos entre as ultimas um excelente panorama das installações da Companhia das Águas, no rio Sousa, em quatro chapas, e que abrange uma extensão de cerca de 500 metros.
Em phototypia ha diversas provas apreciaveis, extremando-se n'ellas um bello retrato do sr. Ramalho Ortigão.
Muito boas as impressões de chromotypia, de clichés da srª. D. Margarida Relvas e dos srs. Carlos Relvas, Joaquim Bastos, Rebello Valente, Eduardo Alves e Anthero de Araujo.
Merecem mencionar-se as provas de photoglyptia, o processo que melhor imita a fotografia e que tem a vantagem de poder imprimir-se a qualquer côr.
Também são dignas de apreço as provas gelatino-bromuradas, as unicas expostas por photographos portuguezes e que representam uma tentativa feliz.
Todos estes processos tem sido exhibidos nas illustrções da Arte Photographica, publicação intetressante e valiosa feita pela Photographia Moderna e que constitui mais um dos titulos da subida aptidão dos seus proprietarios.
Este estabelecimento, que tem montadas vastas officinas de lithographia, photo-lithographia, phototipya, etc., por um sentimento de escrupulosa honestidade, collocou todos os seus productos fóra de concurso, vista a cooperação activa que exerceu para o bom resultado do certamen não obstante isso os seus trabalhos não deixaram de merecer a attenção do publico e os louvores do jury respectivo.
A Photographia União, um estabelecimento muito considerado pela opinião publica, apresentou-se luxuosamente em uma apparatosa instalação que occupa em largura e em altura todo o lanço da parede do lado esquerdo da entrada da nave.
Exhibe ella além de uma collecção de photographias de plantas, copiadas de exemplares do estabelecimento horticola do sr. Marques Loureiro, uma grande variedade de retratos em carte-table, exposition, impérial e promenade, bem como diversas ampliações em grande formato.
Em todos os trabalhos d'esta casa aprecia se principalmente um esmero inexcedivel no acabamento, o que torna o retrato de um brilhantismo e de uma frescura insinuantes.
Na vasta collecção que expõe ha sem duvida exemplares de merecimento, mas no conjunto nota-se a nitidez excessiva resultante do retoque levado ao extremo da minuciosidade.
Assim, eliminados os traços physionomicos, egualados os planos por falta das gradações naturaes dos toques de luz, o modelado torna se secco e o relevo desapparece.
É necessario comprehender-se de uma vez para sempre, que desde que falte a verdade na photographia, o retrato deixa de ser uma obra de arte e portanto fica reduzido ás proporções de um trabalho material de insignificante valor. Ora reproduzindo a camara escura as fórmas com uma fidelidade extraordinaria, o grande merecimento do photographo está em eliminar da imagem o que seja superfluo sem destruir comtudo o essencial, o desenho.
N'estas circunstancias, o trabalho divide-se pelo operador e pelo retocador. A sciencia do primeiro está na acertada escolha da posição e na boa distribuição da luz e o merito do segundo em fazer sobresair, sem exagero, todos os caracteres da individualidade. Para a obtenção dos primeiros resultados é essencial, depois do bom gosto do photographo, que o atelier tenha as proporções e as condições indispensaveis, e para o conseguimento dos segundos que o retocador possua uma educação artistica não vulgar.
Nada mais falso, nem de peior effeito, por exemplo, do que o ver-se um rosto de perfil completamente negro, com uma linha branca, de luz, a contornar esse perfil. Nada mais exquisito do que o tom geral acastanhado, de uma cabeça, com uns toques de luz caprichosos na testa, no nariz, e em parte da face.
Nós sabemos perfeitamente que esses trucs, que essa apparencia fina e lambida da photographia fazem a admiração e o entusiasmo de muita gente, mas no meio dos progressoos relisados nos ultimos tempos,todos esses expedientes devem ser abandonados.
Já lá vae o tempo em que se julgava que para o retrato ficar bem saliente e bem fixo era necessario collocar o modello perfeitamente no fóco. Hoje, como é sabido, para que a imagem adquira suavaidade e beleza, nos resultados da impressão, convem que o modello saia um tanto do fóco, por meio de uma posição adequada.
Ora as difficuldades em produzir um bom resultado directo, duplicam quando se trata de uma ampliação, e assim é, que quasi sempre este genero de reproducção photographica se torna excepcionalmente convencional e amaneirado.
Se para retocar um retrato em cartão album se requerem conhecimentos especiaes, para aperfeiçoar uma ampliação precisa-se ser verdadeiro artista.
Ninguem desconhece que a ampliação sae vaga e grosseira e que portanto o retocador tem como que de desenhar completamente a figura. Como porém isso demandaria um trabalho, que a ser feito com sciencia, elevaria muitissimo o preço por que ordinariamente se pagam esses retratos, o resultado é que o photographo se limita a aformoseal os, alisando o mais possivel a carnação por meio de um granitado subtil e accentuando os trajes, não se prendendo nem com minucias de modellado, nem com requisitos de tom.
Os fundos, n'esta especilidade de retratos, são tambem um ponto delicado, porque não se consegue facilmente dar-lhes uma côr que faça destacar bem a imagem. Quasi sempre a tonalidade geral d'esses fundos é a mesma das carnes e das roupas, e d'ahi a monotonia do retrato e o seu pouco relevo.
O retrato ampliado, pois, no nosso parecer, não passa na maioria dos casos, de uma bonita aberração, de um producto anti-artistico.
Todas estas considerações que vimos fazendo e com as quaes não pretendemos de modo algum dar lições a ninguem, teem apenas por fim demonstrar que com os elementos de que a Photographia União dispõe, precisa ella corroborar a fama que tem alcançado por meio de uma determinação mais consentanea com os pontos de vista artisticos. A mão de obra, os processos materiaes são sem duvida indispensaveis, mas a arte é tambem um grande valor na photographia.
De tudo quanto deixamos dito não se deprehenda qua a Photographia União se apresente n'este certamen de modo desairoso. Pelo contrario. Nas suas collecções ha trabalhos dignos de apreço, incluindo uma ou outra ampliação, como por exemplo a do retrato da cantora Adele Borghi.
Quanto ás photographias de plantas, essas reproducções eram de uma certa difficuldade com as antigas chapas de clodio, mas presentemente são facilimas por meio dos novos processos conhecidos. A nitidez d'essas provas tem valido á União varias recompensas nas exposições horticolas a que tem concorrido tanto no paiz, como ainda ha pouco em Madrid.
Os antigos photographos os srs. Silva & Pereira apresentam, além de uma colecção de retratos, varias provas em photographia, chromotypia, ferrotypia e cianotypia.
Esta casa, que vae um tanto na rectaguarda dos progressos da photographia, exhibe ainda assim alguns trabalhos bons, entre os quaes apontaremos como exemplo, dois retratos em placa, um do sr. dr. José Pereira Reis e outro do sr. Fonseca, antigo director da Academia Portuense de Bellas Artes.
Tambem não deixaremos de mendionar um retrato em chromotypia do sr. Camillo Castelo Branco, o mais verdadeiro e mais parecido de quantos conhecemos d'aquelle illustre escriptor, a quem os photographos, talvez por uma homenagem de admiração, procuram quasi sempre desfigurar nos seus clichés, com negridões e retoques phantasticos.
De Lisboa concorreram apenas os srs. João Camacho e Rochini. O primeiro enviou só um busto de senhora, em duble-placa, trabalho agradavel, mas que não póde dar uma ideia perfeita dos productos do seu estabelecimento. Pena foi portanto que não exhibisse maior numero de provas.
O sr. Rochini expõe uma collecção de primorosas photographias a saes de prata, de monumentos e panoramas. Os trabalhos, n'este genero, do distincto photographo, extremam-se pela nitidez e pela fidelidade da reproducção e apenas o que sentimos é que os preços dos exemplares não estejam muito ao alcance dos estudiosos pouco endinheirados.
É sabido que as photographias de uma certa ordem de monumentos são um valioso auxiliar para os que se entregam a investigações de arte e archeologia. Ora custando cada um dos cartões 500 e 600 réis, uma collecção d'esses monumentos difficilmente póde ser alcançada sobretudo pelos escriptores, por via de regra pouco abastados.
Um grande serviço que os photographos nos prestariam, a nós, os que estudamos um pouco, seria pois o facilitar a aquisição das photographias de monumentos e de obras de arte, reproduzindo-as por meio de algum dos processos que mais embaratecessem esses trabalhos.
O sr. J. A. da Cunha Moraes expõe uma numerosa quantidade de vistas e typos da Africa, photographias estas que tem servido para a sua interessante publicação A Africa Occidental. Os trabalhos do sr. Cunha Moraes, já pelo interesse que inspiram, já pela sua boa execução, tornam-se de incontestavel valor.
De Coimbra concorreram os srs. José Maria dos Santos, proprietario da Photographia Conimbricense, Adriano da Silva e Sousa e Photographia Sortoris.
Dos tres, o que melhor se apresenta é o sr. José Maria dos Santos, que exhibe uma collecção de 12 vistas de Coimbra, comprehendendo interiores de edificios publicos. Os trabalhos d'este photographo são recommendaveis pela sua nitidez e perfeição.
O sr. Adriano da Silva e Sousa expõe varois retratos apreciaveis, e melhor se apreciariam se a impressão demasiado escura não os tornasse um tanto duros. A Photographia Sortotis pouco ou nada se extrema. Enviou sómente dois retratos em cartão de visita e algumas vistas de Coimbra.
Depois da menção d'estes productos, chegaram mais alguns estrangeiros.
Referir-nos-hemos em primeiro lugar á notavel collecção de provas isochromaticas em gelatino-bromurada, feitas directamente e sem nenhum retoque, pelo sr. A. Attout Tailfer, de Paris.
Eis resolvido n'estes trabalhos o problema da relatividade dos tons em photographia e sobre a qual, como já referimos, o sr. Scolik., de Vienna, apresentou diversos estudos.
As côres sobre as quaes o sr Tailfer operou foram o azul, o amarello e o alaranjado, e assim apresenta as aproximações d'esses tons, por meio de copias de um quadro de Chaplin, e de outro de Bouguereau, bem como de vidros com pinturas coloridas. A differença extraordinaria dos resultados obtidos pelo distincto photographo avalia-se perfeitamente pela comporação das suas photographias dos referidos vidros, uma ordinaria e outra isochromatica. N'aquella, a pintura vê-se descorada, fria, sem gradações intermediarias entre o branco e o preto, emquanto que n'esta os tons destacam-se suavemente, determinando-se bem por cambiantes de claro-escuro, as diversas côres do quadro.
O sr. Tailfer, applicou ainda as suas chapas isochromaticas a paizagens ao ar livre, a marinhas, ao interior de uma cathedral e a photographias instantaneas, e as vantagens d'este processo são do mesmo modo importantissimas na questão de côr. Os planos determinam-se e acentuam se melhor do que pelos processos anteriores, e os effeitos de luz produzem-se com maior naturalidade e belleza.
Todos os especimens expostos são excellentes e as descobertas feitas por este insigne artista, dignas da mais elevada consideração e apreço. Aconselhamos os nossos amadores a ensaiarem as chapas isochromaticas d'este photographo.
O sr. Pierre Patin, de Bois Colombes, França, enviou dois positivos em vidro, sendo um retrato de Patti e uma vista instantanea do transatlantico Normandie. Nada offerecem de notavel, a não ser as bellas molduras em vidro, imitando o antigo.
O sr. Eugenio Pirou, de Paris, expõe em uma elegante instalação de velludo verde e encarnada, uma collecção de retratos sobre porcelana. São trabalhos apreciaveis, realçados pela materia em que a imagem é impressa. Entre os retratos ha alguns que reunem á boa execução, uma disposição muito artistica dos modellos. A collecção d'estas photographias acha-se incompleta, em consequencia de se terem partido umas tres durante o transporte.
Os srs. Bergeret & de Joux, apresentam varios trabalhos, muito perffeitos, em phototypia.
Finalmente o sr. H. Mackenstein, de Paris, exhibe uma preciosa collecção de instantaneos, representando marinhas, paizagens, etc., produzidos pelos apparelhos photographicos do mesmo expositor, e alguns dos quaes tambem estão patentes. As provas são inexcediveis de nitidez, apresentando bellos effeitos da natureza.

Porto, abril.

(continua)
Manuel M. Rodrigues

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